Fazenda onde nasceu o blogueiro. Foto Luis Fernando Gomes

Fazenda onde nasceu o blogueiro. Foto Luis Fernando Gomes
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quinta-feira, 28 de março de 2013

Apagão: um causo.


Tivemos o apagão na época do FFHH (Fernando Henrique duas vezes), na era D. temos vários “apaguinhos” (talvez quando for DD, teremos o apagão, energético. O moral, já o estamos vivendo). Esta crônica teve dois momentos: numa época que aumentava muito o custo da energia, e, mais recentemente, quando fomos forçados a fazer economia de luz. Com alguma mudança, ei-lo de novo.
Ah! O apagão!
Mário Cleber da Silva.
            Encontraram-se os dois no centro da cidade. Era de manhã, e os raios solares não eram fortes o bastante para tornar as pessoas indolentes, preguiçosas ou de coco mole. Há muito não se viam. Anos e anos sem se encontrarem, de modo que foi uma alegria muito grande quando os dois se abraçaram na rua Rio de Janeiro, diante das pessoas que se assustavam com tanta efusão de contentamento e abraços. Alguns até levantaram suspeitas de suas preferências sexuais – não explicadas verbalmente, mas no pensamento de cada um. Em seguida, vieram as costumeiras perguntas: E a saúde? A família? Os amigos? Os filhos? Ah! Os filhos! Ambos os tinham. E crescidos. Conversa vai, conversa vem, um convidou o outro:
-        Aparece lá em casa para um cafezinho.
-        Vou, sim. Pode me esperar que hoje à tarde chego lá.
             E dito e feito. Conseguiu pegar o ônibus às seis e pouco, apesar da insistência dos perueiros. E isso antes de os ônibus se tornarem latas de sardinha, lotados de gente cansada e sofrida. Não pensou em táxi, mesmo porque era mais caro, e nestes tempos bicudos não se deve gastar o rico dinheirinho. E, assim, lá se foi ele, todo lépido e faceiro, à casa do amigo.
             Lá chegando, bateu palmas, bateu à porta e gritou. A campainha não funcionava. Depois de muito gritar pelo amigo, este apareceu, tremendo de frio e com a cabeça molhada.
           - Oh, me desculpe. Entre, entre. A campainha não está funcionando por causa do racionamento de energia. Afinal, pra que campainha, né? Só pra gastar luz, e é bom a gente exercitar os dedões, batendo-se na porta, ou as palmas das mãos. Ou mesmo gritar, pois aí a gente reconhece a voz do amigo.
            - Claro, claro – confessou o visitante. - Eu também acho. Uns gritinhos de vez em quando até é bom. Mas compadre – quem veio do interior sempre tem compadre -, se mal lhe pergunto, por que está tremendo tanto?
            - Foi o chuveiro.
            - Estragou?
            - Que nada – suspirou o dono da casa. - É a luz de novo.
            -  Não entendi.
            - Fiquei sabendo que uma pessoa que toma banho todo dia por dez minutos vai gastar no final do mês 10 reais (antes a da suposta diminuição na conta de luz, anu7nciada pela presidente, digo presidenta. Se falar “presidente”, ela me bate). Ora tomando banho frio economizo dinheiro, ajudo a circulação sanguínea, porque o corpo gosta de água fria, e evito a ameaça de multa e apagão.
             Claro que o outro teve de concordar. Tudo estava correto. Além do mais, nenhum deles tomava banho quente na juventude. E não morreram por causa disso. Às vezes, era até banho de bacia. Água quase gelada. Não tinha essas comodidades de agora. Chuveiro já era um milagre, e quente então, era um exagero.
             Ficaram os dois falando de seus passados, do futebol que jogavam no campo cheio de mato, das serenatas que faziam para namoradas, das brigas que tinham igual às do Russo e Morena.
             - Igual às de quem? - perguntou visivelmente curioso o dono da casa.
             - Uai, compadre, não vê televisão? As novelas?
             - Quem sou eu, compadre? Televisão gasta luz, e não vejo nadica de nada. Agora fico só escutando o radinho. E de pilha, que não é para ligar na tomada.
             Este contratempo não atrapalhou a conversa, que seguiu em frente com muitas novidades, até que deu sede no amigo, e este pediu água. Estranhou a água meio morninha.
             - Infelizmente – disse o outro já se desculpando – é a geladeira...
             - Estragou?
             - Antes “fosse, mas não esse”. É a luz. Uma geladeira ligada 24 horas vai gastar 25 reais por mês...
             - Mas agora já está escuro – falou o visitante. - Não vai me dizer que não vai acender a luz?
             - Adivinhou. Olha aqui a velinha. É “pressas” horas – retorquiu o outro, alegrinho.
             - Ô, compadre, isso vai pegar mal, nós dois sozinhos com uma vela na mesa. Por que você não apaga essa porcaria e a gente fica no escuro mesmo? - era irônica e um tanto agressiva a pergunta.
             Mas o outro não se fez de rogado e concordou na hora.  Assim, ficaram os dois no breu falando das viagens que fizeram, das pescarias no Pantanal, das travessuras dos filhos pequenos e dos sucessos deles, já grandes e, logicamente, da falta de dinheiro. E não é que o tempo passou e só se deram conta das horas quando o relógio da igreja bateu 10 horas e viram que era tarde para o visitante ficar, pois ele queria ir embora, chegar logo em casa antes de ser assaltado e roubado na rua, que se tinha tornado uma escuridão só, com as luzes dos postes deligadas.
             - Já estou indo, compadre.
            - Então, me deixe acender a luz, que é pelo menos para me despedir de você.
            - Um minutinho, compadre – finalizou o visitante. - Como a gente estava no escuro, eu tirei a calça, que é para não gastar o pano...     

segunda-feira, 25 de março de 2013

Uma Semana Santa no Interior.

Como entramos na Semana chamada Santa, nada como uma crônica para falar das festas da infância do autor. Texto escrito nos velhos tempos da década de 70, mas atualizado para o momento atual.


Semana Santa Barroca

Mário Cleber da Silva.

            Os mineiros já faziam as suas filas para a procissão de Ramos, engrossada pelo grande contingente de turistas paulistas que para lá afluíam durante os festejos da Semana Santa. O sol estava forte, numa radiante manhã de domingo, e todos, muito consternados, acompanhavam, piedosos, o desenrolar do ato litúrgico.
            Crianças entusiasmadas sacudiam os ramos de oliveira com tanta intensidade, como se fossem bandeirinhas brasileiras na época de visitas presidenciais. Os ramos serviam, pelo menos, para uma coisa: espantar o suor que empapava os rostos. Debaixo de um pano dourado e cercado por vários homens, seguia o padre entoando cânticos que glorificavam o futuro ocupante do calvário. Depois da procissão, não havia nenhum ato religioso a mais no domingo, e mesmo nos próximos dois dias. Seria bom, então descansar e refazer-se do trabalho estafante. Na quarta-feira era dia de Procissão do Encontro, ou da Topada, como diziam alguns menos religiosos.
            Como toda cidade mineira que se preze, ela também era cheia de morros e montanhas. De um lado, encontrava-se o morro do Rosário, de onde sairia a Virgem Maria, em seu manto roxo (hoje a cor mudou o nome: é lilás); do outro, encontrava-se a Capelinha de São Benedito, no alto do Areão, de onde sairia Jesus carregando a cruz. Por vias tortuosas, íngremes e de paralelepípedos ou pés-de-moleque, lá iam duas procissões a caminho do Encontro, ou da Topada, que iria ocorrer na igreja Matriz. Do Rosário desciam as mulheres, chorosas e lamentando a sorte da Mãe. Da Capelinha, vinham os sisudos homens, carregando o andor do Homem-Deus. O calor da tarde era sufocante. As roupas domingueiras faziam-nos suar mais ainda, e os sapatos novos e apertados davam nos calos com gosto. Era um sacrifício para todos, e diziam que até as próprias imagens suavam diante do calor que fazia. Na Matriz, o sermão das sete palavras que duravam muito mais do que a procissão. Era o momento de testar a oratória dos padres e a paciência dos fieis, que expiavam seus pecados, ouvindo a peroração.
            Quinta-Feira Santa era o dia especial não só pela importância do evento, que é a Santa Ceia (que uma menina teimava em pensar que era uma mulher chamada Ceia e era santa), como também pela cerimônia dos lava-pés. Era uma briga conseguir uma vaga para o filho que queria ser apóstolo. O sonho de todo garoto era ser apóstolo na Santa Ceia e também receber um pacote de pipoca doce, feita pelas habilidosas mãos de D. Ondina. Só que ninguém queria ser Judas, pois, afinal, todo mundo sabia que ele era mau e que tinha traído o Mestre. Tudo corria na santa paz de Deus, com o padre beijando e lavando os pés dos meninos, o povo compungido e atento, até que se ouviu claramente a voz de um menino-apóstolo ecoar por toda a igreja: “E o meu saco de pipoca doce? Ninguém vai me dar?”
            Era uma vez uma cerimônia séria.
            O dia seguinte era dia de passar fome. Alguns jejuavam e outros não comiam carne, o que já é uma característica do povo, dado o alto preço do produto. A igreja estava apinhada de gente, como era de praxe, mesmo porque não se têm muitas opções de lazer, como os intermináveis filmes bíblicos na TV e sem cinema digno do nome. Seria o Descimento da Cruz, com o demoradíssimo sermão: “Descem o primeiro braço. O direito. Eis o corpo desfalecido, blablablá... Quando acabou o sermão, havia uma mulher chorando no fundo da igreja.
-        Chorando por causa da morte de Jesus?
            - Não. É porque o meu marido está fazendo o papel de Jesus e deve estar morto de cansado de tanto esperar que o tirem da cruz.
            O bom mesmo da Semana Santa é o Sábado de Aleluia. Lá é mesmo Sábado de Aleluia, pois o que tem de aleluia no finalzinho da tarde não está escrito em nenhum livro bíblico. As crianças ou as matam, ou as aprisionam em vidro. Porém, o que deixa eufóricos os rapazes e as moças da cidade é que esta noite da Ressurreição acontecerá o grande baile de Páscoa. Sabe lá o que é ficar quarenta e poucos dias sem baile? Vamos cair na gandaia, que a Semana Santa já acabou, e pernas pra que te quero!

sexta-feira, 22 de março de 2013

Mini Contos - II


MINI CONTOS.

Já postei aqui, em setembro de 2012, alguns Mini contos. São historinhas, contos, frases, com no máximo 50 letras – não contando o título – e que muitas vezes deixa para o leitor a conclusão, o final.
Eis mais um grupo.

REINO
A Princesa grávida parecia ter o rei na barriga.
- A VIDA
Sua vida era uma merda. E, o pior, sem papel higiênico.
– UM FUTURO BRILHANTE
Um dia isso será seu, disse ao filho o ladrão, diante da mansão. 
- AMOR
Os que o amavam,  era  ou por dinheiro ou... por muito dinheiro.
- GÉLIDO
Abriu e olhou a geladeira. Só tinha ódio guardado.
– SORRIDENTE.
Era todo sorrisos. Principalmente os amarelos.
 – VIVER
Vivia perigosamente. Andava de ônibus.
– CONCURSO DE MISS
Com o Pequeno Príncipe na barriga, Miss Brasil perde coroa.

– FERTILIDADE.
Era muito fértil. Engravidava até na barriga das pernas.
 – LESÃO CEREBRAL.
Caiu em si e quebrou a cabeça.















segunda-feira, 18 de março de 2013

Visitantes inesperados na festa de aniversário.

Aniversário é bom. Mas de vez em quando aparecem uns convidados bem trapalhões. Olhem o que aconteceu comigo.


Visitantes inesperados na festa de aniversário.
Mário  Cleber da Silva

Era
Era  para ser uma comemoração privé. Ela e eu. Tomando o vinho italiano que meu filho mandou de presente, os queijos que a filha despachou da Suíça (sem esquecer o delicioso queijo andrelandense) e, para compensar, gostosíssimos brigadeiros, cuja origem não conto nem para meu analista. De repente, toca a campainha.
Nossa – sussurrou-me ela ao olhar pelo “olho mágico”. É a Bruna ...
- Quem? O Goleiro Bruno? Mas já está em Regime Semi Aberto? Esta justiça brasileira é bem rápida.
-  Não. É Bruna Marquezine.
- E quem é esta figura?
- Atriz da Globo, novinha , e namorada do Neymar.
- Uai, vê se o Neymar está atrás.
- Não. Ele joga é na frente.
- Engraçadinha. O vinho já está fazendo efeito? Mas isto aqui não é Projac. O que ela veio fazer aqui?
- Sei lá. Mando entrar? Sim ou não?
E ela entrou trazendo (e sendo)  um presente inesperado. Um amuleto. Um olho turco. Para dar sorte. Ela recebeu do grupo da Turquia da novela das Oito, Salve, Jorge. E, amavelmente, veio me trazer. Mas, rapidinho, ela saiu de cena. Antes, pedi que ela conseguisse uma viagem para a Turquia para mim no avião que a Gloria Perez usa para trazer tantos turcos para o Brasil e levá-los de volta. Ela me prometeu fazer o possível. Inshalá. Mal refeito do inesperado, não é que toca a campainha de novo.
- Essa, não – desta vez, ela gritou.-  Wood Allen!!
Pulei da cadeira e fui recebê-lo:
- You. I can´t believe – falei em inglês.
- Pode falar em português – corrigiu-me o cineasta -. Tenho um tradutor no ouvido. Ainda que  com medo de dar infecção. Sou hipocondríaco. Tenho manias de doença. Na verdade, venho te visitar para te dar uma bronca.
- Bronca? O que fiz?
- Você prometeu escrever um artigo sobre mim e até agora nada.
- Mas falei em meu blog sobre seu filme (favor, leitores, acessarem a  postagem do  dia 16 de julho de 2011 do meu blog para confirmar que eu estava falando a verdade).
- Você copiou – acusou.
- Mas falei a fonte.
- Não quero nem saber.
Saiu batendo a porta atrás dele.
- Soon Yi ! – gritei de raiva, falando o nome da esposa dele, para espicaçá-lo, lembrando-lhe deste fato meio obscuro.
Fiquei arrasado. Meu ídolo. Dizendo tudo isto para mim. Estava voltando para o sofá e para a taça de vinho, quando no meio do caminho (“no meio do caminho havia um vinho. Havia um vinho no meio do caminho”. Acho que vou aproveitar esta frase genial e fazer um poema)  batem à porta. Batem. Reparem bem. Não é “tocam a campainha”. Retrocedi e fui ver.
Quase, caí para trás. Ele, logo ele. Não conhece campainha, pensei. Será que naquele apartamento onde viveu e fui visitar, não tinha? De chofre, abri a porta. Estava de casaco escuro, óculos, um chapéu preto e o indefectível charuto.
- Convida-me a entrar?
- Claro, com prazer. (Nem ousei falar em alemão, já que conhecedor de várias línguas, ele entende o português e eu já tinha tido a experiência frustrada com Allen).
- Trouxe-lhe um presente.
Tirou do casaco um pequeno objeto e me entregou.
- É simples. Mas de coração. Sei que você lê meus livros, fala de mim em seus artigos, foi até minhas duas casas onde vivi e morri. Ah – ele reparou – Dois retratos meus na sua parede. Quem  pintou?
Enquanto desembrulhava, percebi que ele estava alegre de se ver nas pinturas. Uma mais jovem – em torno dos 45 anos, e outra próxima dos 80.
- Uma réplica da Esfinge? É grega?
- Ganhei de Carl  e te trouxe. Precisava reciclar alguns presentes.
- Obrigado.
Olhando minha estante de livros – entulhada, por sinal – reparou: “oh você tem o livro de minhas cartas e meu Diário. Bonita a edição. Uai, e essa raquete que tem o meu rosto?”
Antes de eu responder, achando curioso que um alemão, ou melhor, judeu alemão, falasse “uai”, tocam a campainha.
Volto ao “olho mágico”.
- Meu Deus!!!
- Por acaso é o Papa? – indagou-me ele, soltando baforadas do charuto.
- Uai, como o senhor sabe?
- Eu sou Freud.

No Pronto Socorro, o médico pergunta para ela: o que houve?
- Não sei – respondeu candidamente -. Estávamos bebendo vinho tranquilamente e depois de duas garrafas ele disse que começaram as visitas...


- N

quinta-feira, 14 de março de 2013

O Papado é essencial para o Catolicismo?

No momento em que é eleito um papa,  o primeiro latinoamericano, essa pergunta parece ir na contramão da euforia mundial. Porém não é minha. Ela está inserida em um belo texto de um padre casado, belga, com mais de 5O anos de Brasil, historiador e teólogo, mais de 20 livros publicados. Mora em Salvador. Dedica-se agora ao estudo das origens do cristianismo. Chama-se Eduardo Hoornaert.

O anúncio da renúncia de Bento XVI me surpreendeu, como aconteceu a muitas pessoas. Impressiona-me a simplicidade com que ele expõe seus sentimentos e penso que, desse modo, ele desbloqueia a visão estática que temos do papado e abre um espaço para discussões em torno do governo da igreja católica. É isso que pretendo fazer neste texto. Minha pergunta é a seguinte: será que a igreja católica precisa mesmo de um papa? Vou por pontos.
1. O papado
O papado não está ligado à origem do cristianismo. O termo ‘papa’, por exemplo, não aparece no novo testamento. Quanto aos versos do evangelho de Mateus (‘tu és Pedro e sobre essa pedra construirei minha igreja’: 16, 18), que costumam ser invocados para legitimar o papado, há de se lembrar que a exegese atual é taxativa em afirmar que não se pode isolar um texto de seu conjunto literário e transformá-lo em oráculo. Ora, os versos de Mateus funcionam, pelo menos na instituição católica, como um oráculo. Para quem lê os evangelhos em contexto fica claro que não dá para se imaginar que Jesus tenha planejado uma dinastia apostólica de caráter corporativo, baseada em sucessão de poderes. As palavras ‘tu és Pedro’ não condizem com a instituição do papado. Foi o bispo Eusébio de Cesareia, teórico da política universalista do imperador Constantino, que no século IV começou a redigir listas de sucessivos bispos para as principais cidades do império romano, em muitos casos sem verificar a veracidade dos nomes arrolados, na tentativa de adaptar o sistema cristão ao modelo romano da sucessão dos poderes. Esse bispo-historiador é o criador da imagem de Pedro-papa. Mas a pesquisa histórica aponta outro horizonte e mostra que a palavra ‘papa’ (pope), que pertence ao grego popular do século III, é um termo derivado da palavra grega ‘pater’ (pai) e expressa o carinho que os cristãos tinham por determinados bispos ou sacerdotes. O termo penetrou no vocabulário cristão, tanto da igreja ortodoxa como da católica. No interior da Rússia, até hoje, o pastor da comunidade é chamado ‘pope’. A história conta que o primeiro bispo a ser chamado ‘papa’ foi Cipriano, bispo de Cartago entre 248 e 258 e que o termo ‘papa’ só apareceu tardiamente em Roma: o primeiro bispo daquela cidade a receber oficialmente esse nome (segundo a documentação disponível) foi João I, no século VI.
2. O episcopado
Em contraste com o papado, a instituição episcopal deita raízes sólidas na origem do cristianismo, pois se refere a uma função já existente no sistema sinagogal judeu. A palavra ‘bispo’ (que significa ‘supervisor’) se encontra diversas vezes nos textos do novo testamento (1Tm 3, 2; Tito 1, 7; 1Pd 2, 25 e At 20, 29), assim como o substantivo ‘episcopado’ (1Tm 3, 1). Nas sinagogas judaicas, o ‘epíscopos’ era responsável pela boa ordem nas reuniões e as primeiras comunidades cristãs nada mais fizeram que adotar e adaptar o nome e a função.
3. A luta pelo poder
A partir do século III desencadeou-se, entre os bispos das quatro principais metrópoles do império romano (Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Roma), uma dura luta pelo poder. Essa luta era particularmente dramática na parte oriental do império, onde se falava a língua grega. Os bispos em litígio foram chamados ‘patriarcas’, um termo que acopla o ‘pater’ grego com o poder político (‘archè’, em grego, significa ‘poder’). O patriarca é ao mesmo tempo pai e líder político. Nos inícios, Roma participava pouco dessa disputa, por ficar longe dos grandes centros do poder da época e usar uma língua menos universal (apenas usada na administração e no exército do sistema imperial romano), o latim. Por sua vez, Jerusalém, cidade ‘matriz’ do movimento cristão, ficou fora do páreo por ser uma cidade de pouca importância política.
Mesmo assim, Roma se fazia valer na parte ocidental do império. O já citado bispo Cipriano, de Cartago, reagiu com energia diante das pretensões hegemônicas do bispo de Roma e insistiu: entre bispos tem de reinar uma ‘completa igualdade de funções e poder’. Mas o curso da história foi implacável. Os sucessivos patriarcas de Roma conseguiram ampliar sua autoridade e elevaram o tom da voz, principalmente após a bem sucedida aliança com o emergente poder germânico no ocidente (Carlos Magno, 800). As relações com os patriarcas orientais (principalmente com o patriarca de Constantinopla) se tornaram sempre mais tensas até que aconteceu a ruptura de 1052. Aí começou a história da igreja católica apostólica romana propriamente dita.
4. O papa fica do lado dos mais fortes
Uma vez ‘dona do pedaço’, Roma foi elaborando de forma sofisticada a ‘arte da corte’ que ela aprendera com Constantinopla. Ao longo dos séculos, praticamente todos os governos da Europa ocidental aprenderam por sua vez a arte diplomática com Roma. Trata-se de uma arte nada edificante, que inclui hipocrisia, aparência, habilidade em lidar com o povo, impunidade, sigilo, linguagem codificada (inacessível aos fiéis), palavras piedosas (e enganosas), crueldade encoberta de caridade, acumulação financeira (indulgências, ameaça do inferno, pastoral do medo etc.). A imponente ‘História criminal do cristianismo’, em 10 volumes, que o historiador K. Deschner acaba de concluir, descreve essa arte eminentemente papal em detalhes.
Foi principalmente por meio da arte diplomática que, ao longo da idade média, o papado teve sucessos fenomenais. Sem armas, Roma enfrentou os maiores poderes do ocidente e saiu vitoriosa (Canossa 1077). Como resultado, a igreja foi afetada, no dizer do historiador Toynbee, pela ‘embriaguez da vitória’. O papa perdeu contato com a realidade do mundo e passou a viver num universo irreal, repleto de palavras sobrenaturais (que ninguém entende). Como bem observa Ivone Gebara, algumas dessas palavras ainda hoje estão em voga, como quando se diz que o Espírito Santo elegerá o próximo papa.
Com o advento da modernidade, o papado perde paulatinamente espaço público. No século XIX, principalmente durante o longo pontificado de Pio IX, a antiga estratégia de se opor aos ‘poderes deste mundo’ não funciona mais. Não traz mais vitórias, registra apenas derrotas. Então, o papa Leão XIII resolve mudar a estratégia e inicia uma política de apoio aos mais fortes, uma estratégia que funciona durante todo o século XX. Bento XV sai da primeira guerra mundial ao lado dos vitoriosos; Pio XI apoia Mussolini, Hitler e Franco, enquanto Pio XII pratica a política do silêncio diante dos crimes contra a humanidade perpetrados durante a segunda guerra mundial, à custa de incontáveis vidas humanas. Após uma breve interrupção com João XXIII, a política de apoio silencioso aos fortes (e de palavras genéricas de consolo aos perdedores) prossegue até os nossos dias.
5. Hoje, o papado é um problema
Por tudo isso, pode-se dizer hoje que o papado não é uma solução, é um problema. Não se diz o mesmo do episcopado, pois este registra, nos últimos tempos, páginas luminosas. Além dos bispos mártires (como Romero e Angelelli), tivemos aqui na América Latina uma geração de bispos excepcionais entre os anos 1960 e os anos 1990. Além disso, o concílio Vaticano II avançou a ideia da colegialidade episcopal, no intuito de fortalecer o poder dos bispos e limitar o poder do papa. Mas tudo esbarrou num muro intransponível feito de mistura entre preguiça mental (a lei do menor esforço), fascínio pelo poder (Walter Benjamin), disponibilidade do fraco diante do poderoso (Machiavelli) e arte cortesã (Norbert Elias). Mesmo assim, vale lembrar que o catolicismo é maior que o papa e que a importância dos valores veiculados pelo catolicismo é maior que o atual sistema de seu governo.
6. Pode a igreja católica subsistir sem papa?
Pode a França subsistir sem rei, a Inglaterra sem rainha, a Rússia sem czar, o Irã sem aiatolá? A própria história se encarrega de dar a resposta. A França não se acabou com a destituição do rei Luis XVI e o Irã certamente não se acabará com o fim do reino dos aiatolás. Isso se aplica ao cristianismo, como comprova o surgimento do protestantismo no século XVI. Haverá certamente resiliências e saudosismos, tentativas de volta ao passado, mas instituições não costumam desaparecer com mudanças de governo. Em geral, o movimento da história em direção a uma maior democracia e participação popular é irreversível (ao que parece). Cedo ou tarde, a igreja católica terá de enfrentar a questão da superação do papado por um sistema de governo central mais condizente com os tempos que vivemos. 


Dentro dessa lógica pode-se dizer que a atual ânsia em fazer prognósticos acerca do futuro papa pode desviar a atenção do que é realmente importante. Pois não se trata do papa, mas do papado como forma de governo. Compreende-se que a mídia, nestes dias, se compraz em focalizar a figura do papa. Pois, para ela, o papa é negócio. O sucesso do enterro do papa João Paulo II, alguns anos atrás, mostrou aos planejadores da mídia as potencialidades financeiras de grandes eventos papais. Com prazer, a mídia se encarrega hoje de divulgar os pontos básicos do catecismo papal: o papa é o sucessor de Pedro, o primeiro papa; a eleição de um papa, em última análise, é obra do Espirito Santo; que ninguém perca a indulgência plenária concedida excepcionalmente por Deus por ocasião da primeira bênção do novo papa. Eis o que veremos nas próximas semanas. Talvez seja melhor não falar muito da eleição do futuro papa nestes dias, mas trabalhar sobre temas que preparem a igreja do futuro.
Termino trazendo aqui dois exemplos recentes em torno dessa problemática. Poucas pessoas sabem que, nos idos de 1980, o cardeal Aloísio Lorscheider chegou a discutir com o papa João Paulo II acerca da descentralização do poder na igreja. Não existe registro escrito ou fotografado dessa discussão, mas parece que o papa se mostrou aberto às sugestões do cardeal brasileiro, conforme consta na encíclica ‘Ut unum sint’. Esse ponto foi comentado por José Comblin num de seus últimos trabalhos: ‘Problemas de governo da igreja’ (veja internet). Penso que o papa só não avançou porque não percebia na igreja uma real vontade política em avançar na direção da descentralização do governo. Nesse caso, ficou claro que o problema não é o papa, mas o papado.
Um exemplo bem diferente, mas que aponta na mesma direção, é dado por outro bispo brasileiro, Helder Câmara. Chegando a Roma para participar do Concílio Vaticano II (ele não tinha viajado à Europa antes), o bispo brasileiro estranhou os comportamentos na corte romana a ponto de ter alucinações, como conta em suas cartas circulares. Certa vez, por ocasião de uma sessão na basílica de São Pedro, ele teve a impressão de ver o imperador Constantino invadir a igreja montado num garboso cavalo a pleno galope. Outra vez, ele sonhou que o papa ficou louco, jogou sua tiara no Tibre e atou fogo no Vaticano. Ele dizia, em conversas informais: o papa faria bem em vender o Vaticano à Unesco e alugar um apartamento no centro de Roma. Pude verificar pessoalmente, em diversas ocasiões, que Dom Helder detestava o ‘sigilo papal’ (um dos instrumentos do poder de Roma). Ao mesmo tempo, o bispo brasileiro mantinha amizade com o papa Paulo VI, o que mostra, mais uma vez, que o problema não é o papa, mas sim o papado enquanto instituição.


terça-feira, 12 de março de 2013

Úiltimo Capítulo História de Amor.

A História de Amor entre um  Homem e uma Mulher chega a seu final. Quem não leu os 3  primeiros, faça-o para entender o conto todo.

Capítulo: 4 e último. E longo.

- Mas 33 anos? – ela perguntaria depois, nas várias e longas conversas que teriam.
- Sim. 33 anos de casamento.
- Eu te admiro. Em vez de sair para os botecos, beber, ou drogar-se, você foi fazer outras coisas...
Sim e entre elas, estudar. Primeiro foram disciplinas isoladas do Mestrado de Psicologia na UFMG, onde ocorreria o penúltimo encontro, por acaso entre nossos dois personagens. Era no segundo semestre de 2001. Tinha havido um seminário do Curso de Geografia para homenagear Milton Santos, o geógrafo brasileiro de fama internacional, intelectual, negro e quase esquecido pela mídia colonizada de nossos tristes trópicos. E ele fora fazer a inscrição para o Mestrado. Terminados ambos, o Seminário e a inscrição, ei-los, sentados no banco, esperando ônibus. Ela conversava com uma amiga, e ele distraído.
- Amei este encontro. Milton Santos, junto com Abner Sader e Suassuna, são as pessoas que mais admiro no Brasil. Com Suassuna, se ele me pedisse em casamento, eu aceitaria.
Riram, ambas. Ele atentou à risada e às últimas palavras.
- Vocês falaram do Suassuna – ele puxou conversa. Só pessoas mais velhas puxam conversa com pessoas desconhecidas - – Destes três, eu não conhecia o Milton. Mas casar-se com o Suassuna?
As duas olharam-no.  Ela estava de óculos escuros (adorava óculos escuros, tornando a pele de seu rosto mais clara ainda). E ele não percebeu dois olhos arregalados que o fitavam. E não deu tempo para responderem, pois o ônibus das duas chegava e nem ele ouviria o diálogo que se deu dentro do coletivo.
- Você o conhece?
- Eu, não.
-Parece que já o vi em alguns lugares. Em épocas diferentes. Parece-me familiar.
- Bobagens. Deixa para lá.
Depois, seis anos após, no Viver Plenamente, um projeto de cursos para pessoas acima dos cinqüenta anos.  E foi lá, no curso de História e Atualidades, que um dia chegou uma professora nova. De óculos escuros, roupa clara, muito falante, culta, comunicativa e que se depara com um grupo de 18 mulheres e dois homens, Ela estava de cabelos curtos e avermelhados. Ele, mais envelhecido. Havia um misto de surpresa, perplexidade e contentamento, sem que o soubessem. Ele, naturalmente solto e extrovertido nas aulas, e mais à vontade: faz perguntas, colocações, comentários, às vezes pertinentes, às vezes, não (o que quer é falar para a nova professora), jogos de palavras e conta piadas na sala. Depois de uma, inadequada e politicamente incorreta, a professora se posiciona.
- Você não acha que aqui não cabem essas piadas?
Não gostou da reprimenda. Olhou-a, severamente. Irritado mesmo. Talvez tenha sido aí que algo lhe passou pela mente. Reparou nos cabelos, na testa estreita, nos olhos vivos, nas maçãs do rosto, no queixo, nos dentes e na boca. Notou uma sensualidade nessa última. Pensou em beijá-la. Sorriu. Mas perturbado. Não poderia apressar nada. O destino, que os colocou próximos em várias situações, iria conspirar a seu favor.
Uma semana depois, pedia-lhe o email. (Ou ela deu errado ou ele copiou errado. Não houve comunicação).
No mês seguinte, ela chama os alunos para assistirem um filme na tarde de terça feira.
- Mas logo na terça? Estou ocupado. Não podemos ir outro dia?
O olhar reprovador foi a resposta.
Mais um tempo e ela fala da preocupação com a filha, advogada e do filho engenheiro. Ele chega mais leve e fala da dele que está na Inglaterra. Conversam fora da aula. Era esse o caminho, falar e ouvi-la.
E outro dia ela passa apressada perto dele.
Hei, hei, aonde você vai?
Tomar café com amigos.
Posso ir junto?
Avançadinho, tocou-lhe o braço e tascou o elogio: que pele macia.

Os emails acontecem. E com assiduidade. E descobriram os encontros no passado.
Dezembro, os filhos dele chegam do exterior. Ela viaja para Fortaleza para relaxar. Volta na véspera do ano novo. E recebe um telefonema. “Sou eu. Seu ex-aluno do Viver plenamente. Quer ir ao cinema comigo?”
Onde?
Palácio das Artes.
Foi lá que ela lhe mostrou uma foto, amarelada pelo tempo, de uma menina clara, de cabelos compridos e louros, brincando com cavalinhos de sabugo de milho.
E assim começou a história de amor.




 .

sexta-feira, 8 de março de 2013

Capítulo 3 do Conto "Uma História de Amor..."


Estou contando, romanticamente,  a história de um homem e uma mulher que vão se encontrando. Não percam os dois capítulos anteriores para ficar por dentro. 

Capítulo 3.
Enquanto ele vivia sua vida familiar, social e profissional, numa grande cidade paulista, ela ia se movimentando na capital mineira. Estuda, estuda, procura emprego, trabalha em banco, vai ao cinema – adora cinema, tanto que mora perto do antigo Cine Candelária, uma grande, ampla e moderna sala de exibição (foi lá que ambos viram Catherine Deneuve no início da carreira em Os Guarda Chuvas do Amor, e o arrasa quarteirões Doutor Jivago )  e, como era de se esperar de uma jovem, namora. E acaba se casando em 1984, na igreja do colégio Santo Antônio.
SJRP já está pequena, profissionalmente, para ele. Decide se candidatar à vaga de psicólogo em Betim (e ela ainda não se mudara para esta cidade, onde viveria por anos). Veio, fez os testes e antes de pegar o ônibus para voltar, resolve ir à Igreja de Santo Antônio. Rezar? Não. Tornara-se ateu, mas se lembrava bem dos conflitos religiosos que vivera depois de sair do seminário e de que fora ali, na Igreja do colégio, onde se extasiava com os diferentes tons de verde do imenso painel de São Francisco, que lhe lembrava vagamente dos traços de Portinari, que comungara pela última vez. Engraçado. As pessoas se lembram da Primeira Comunhão. Ele se lembra da Última Comunhão. Sorriu. Ele era diferente. Muito diferente. A igreja estava enchendo de gente. Só então reparou que ia haver um casamento. Tentou levantar-se para ir embora, mas algo o retinha no banco. Deixou-se ficar. Banco por banco, preferia o da Igreja ao da rodoviária. Viu o noivo. Alto, magro, barbudo. O órgão emitia músicas – nunca fora dado a músicas. Havia uma movimentação de gentes desconhecidas. Zum-zum crescendo. Era a noiva chegando. Saindo daquele estilo espalhafatoso de vestido longo e sapatos altos, ela vinha com uma sandália – rasteirinha, como se diz hoje -, um vestido branco curto e na cabeça um arranjo de flores que caiam sobre seu rosto e que a tornava mais linda ainda. (Saberia mais tarde que, sendo muito prendada, fora ela mesma que arrumara o vestido, os arranjos e tudo mais. Mãos de fada, falaria para ela depois. Você tem mãos de fada). Havia um quê de conhecido naquele rosto claro, fino, naquela moça magra que deslizava pelo corredor. Podia jurar que a tinha visto antes. Mas onde? Era nova, bonita e sorridente. Os cabelos longos, lisos e claros caiam sobre seus ombros. Ao passar perto dele, fitou-o nos olhos. Ela parou. Como se o reconhecesse também. A cabeça dele latejava. A memória lhe diz algo que não queria acreditar. Ambos piscaram. Nervosos. O homem que lhe segurava o braço puxou-a. Ela vira lentamente a cabeça e se dirige ao altar. Ele foge. Sai da igreja. A rua apinhada de carros e de gente voltando do trabalho. Lembrou-se. Primeiro, da rodoviária, quando saia de Belo Horizonte. Depois, de Patos de Minas. Não, não era possível. E se fosse? Ficara contente com a felicidade que ela estampava no rosto. O marido seria um futuro coronel da Polícia Militar. Tentou afastar a lembrança,  só o conseguindo quando se refugiou no quentinho do ônibus em direção ao Oeste paulista e refez mentalmente o texto que escrevera para comemorar o dia Internacional da Mulher, a ser publicado no jornal Dia e Noite, onde trabalhava como cronista, seu trabalho de despedida.:
AS MULHERES DE QUE OUVI FALAR...
De Eva, em contraposição a Lilith, das mulheres na pré história que morreram dando a luz os hominídeos que se transformavam, não tão rapidamente, em homens, nas deusas que suscitaram medo e pavor nos homens primitivos, nas grandes mulheres bíblicas, ou nas prostitutas, considerada a mais antiga de todas as profissões, nas mulheres oprimidas pelos homens, com o temor de sua influência, na virgem que deu a luz a um deus, mito presente em muitas religiões, nas feiticeiras assassinadas ou pelos homens ou pela instituição Igreja Católica, nas musas que povoaram a mente e corações dos poetas, das que serviram de imagens para Madonna, Pietà, Monalisa, nas atrizes que povoaram nossos sonhos de adolescentes, nas mulheres africanas que, ao nascerem gêmeos, matam um deles, em nome da sobrevivência do grupo, das mulheres mutiladas genitalmente na África ou mutiladas pelo aborto não consentido e ilegal, ou mortas quando querem exercer o direito de ter ou não ter filho,das sufragistas, da primeira mulher com cargo político, da profissional liberal em cargos antes ocupados só por homens, as mulheres pedagogas que passaram o conhecimento pelas gerações, Florence Nightingale, a primeira enfermeira que cuidou dos feridos na guerra do século passado, das mulheres escritoras, das cantoras, das mulheres que rodam bolsinha no alto da Afonso Pena em Belo Horizonte com concorrência direta e feroz dos travestis ou garotos de programa, das mulheres assassinadas pelos namorados, ex-maridos, numa autêntica caça às mulheres, das mães que se debruçam sobre os filhos assassinados por motivos religiosos, políticos, econômicos ou pela estupidez da patologia de outros homens e ou mulheres, das mulheres que cuidam dos homens, das mulheres de corpos siliconizados, das que morrem em lipoaspiração, das que passam fome ou por falta de alimentos ou por se considerarem gordas e sobretudo daquela que passa ao meu lado na rua, que toma o ônibus, que faz compra no supermercado, que enfrenta a fila no banco, a mulher do dia a dia, a mulher comum, a mulher ser humano que anda tão esquecida.
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Ficou morando em Belo Horizonte sem a família durante anos. A esposa, funcionária de banco, não conseguia transferência, o que só iria ocorrer em... ah, no ano que nascia a filha dela Tão esperada, tão desejada. É conhecido que filhos podem servir de um subterfúgio para o distanciamento dos casais.  E mesmo o menino, muito parecido com o pai, nascido pouco tempo depois e com nome quase igual ao da irmã, não segurou o casamento. E foi o que aconteceu. Mesmo casando depois, foi ela que se separou primeiro, e, que se frise, no mesmo ano que ele se aposentava da empresa. Era o ano 2000, na comemoração dos 500 anos de descobrimento do Brasil.
- Descobrimento, não – dizia ela, geógrafa , então trabalhando no Estado e Prefeitura e vendendo artesanato que ela mesma  produzia..      
Mas isso ele ia só ouvir mais tarde.
Com aposentadoria, a vida mudou. Foi tempo de não fazer nada, viajar, ler, escrever e separar-se. E sair de casa. Mudar de apartamento, de bairro e de vida. E uma namorada, colega de profissão e luterana, que não durou muito. Seria por causa da religião ou da profissão? Mas gostou de freqüentar a Igreja Luterana.

Fim. Do capítulo. Prepare-se para o Capítulo Final, em breve.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Capítulo 2 de História de Amor entre um Homem e Uma Mulher


Capítulo 2 do Conto “História de Amor entre um  Homem e Uma Mulher”. Já houve o primeiro capítulo.
Este conto, longo, mas dividido em quatro capítulos, vai falar dos encontros, por acaso, que aconteceram entre um homem e uma mulher. Qualquer semelhança (não) é mera coincidência. Calcada em fatos reais, a história é tingida pelas cores da ficção. É inédito para todos os meus leitores do blog.
Para quem não leu o primeiro capítulo, duas opções:
Resumo: nasceu, cresceu, estudou, foi reprovado e mudou-se para o Seminário de Mariana para estudar.
 Ou: Se quiser mais detalhes, ler o primeiro capítulo.
Capítulo 2

Ela soprava as seis velinhas de seu bolo de aniversário, ele começava a sua análise em Belo Horizonte e D. Delfim, bispo ultraconservador, “deu fim” a essa história de querer ser padre.
- Nem durante e nem depois da psicanálise – pontificou o Pontífice.
O que restava ao jovem senão tentar seguir o caminho do pai, próspero e honesto proprietário de armazém, do que virar comerciante em Turvo? Nada. Era esse o caminho. E, mais uma vez, foi um padre, neste caso, o supracitado e desditoso bispo, que deu uma mãozinha a ele. Faltava milho para os comerciantes e lá foram ele e seu pai, num grande caminhão FNM do Guiu  (um vigoroso e falante  motorista que adorava passarinhos), para Patos de Minas, que de milho era farta. Quis o destino, o universo, o acaso, deus, a sincronicidade, ou o que o diabo for, que eles fossem justamente procurar Geraldo, um grande fornecedor do produto. E quem era Geraldo? O pai dela, uma linda garotinha de cabelos loiros, longos e lisos (no futuro, corretíssima, ele ia pugnar contra essa idéia de cabelo “bom” (o liso) versus “ruim” (o crespo). Mas isso é outra história). Agora, vejamos como se deu o encontro da menininha e o jovem de 20 anos. (Que se precatem os leitores nestes tempos bicudos de pedofilia. Isso não era usual naquele tempo.) Acostumado a conviver só com homens e rapazes, ele era tímido, mas não pode deixar de se extasiar diante da menininha de cabelos etc, etc, já narrados. Ela brincava com uma linda boneca ganha no aniversário e estava feliz, e ele, sem dizer muito, lembrando de seus tempos de criança, lhe fez uns cavalinhos de espiga de milho. Soltando a boneca no chão, saiu ela a correr para mostrar para a mãe o que o moço tinha feito. O sorriso da menina enfeitiçou-o e ele, sem saber de onde veio este impulso, sentenciou em alto e bom som: vou esperar você crescer para casar-me com você.
Riram todos da boutade – ela, também, sem saber o motivo, mas já que todos riam, riria ela também.
Mas, oh, neófito no amor, nem perguntou o nome da menina, e seguiu seu rumo, indo para Belo Horizonte estudar, adivinhem o quê?  Psicologia e psicanálise.
Formou-se em 1971 e em março de 1972, seguiu para SJRP, no Oeste Paulista,, de ônibus. E aqui quis o destino fazer uma troça com os dois personagens. Não havia na rodoviária daquela época embarque e desembarque, separados. Todos usavam a mesma escada, para chegar ou sair de Belo Horizonte. Geraldo e família tinham se mudado para a capital dos mineiros, buscando um futuro promissor, mas dos filhos, sete no total, tinham ficado dois em Patos de Minas, o caçula, Beto, e ela. E eis que o pai e os dois filhos sobem pela escada enquanto ele está descendo. Os sentimentos dos dois homens são iguais: ambos estão deixando a cidade que amam em direção a outra, desconhecida; vidas episódicas, dilaceradas pela mudança. Enquanto Belo Horizonte (BH, para seus moradores) é que assusta Geraldo, é essa mesma cidade que faz o coração dele doer de saudade, antes mesmo de sair. Uma mesma coisa, uma mesma situação, uma mesma cidade, como têm influências diversas no sentimento das pessoas. Talvez os homens tenham se olhado, talvez tenham se reconhecido, não, não, que é isso? Geraldo não se recorda, mas o jovem é tocado. Pelo rosto do homem? Talvez, sim, talvez, não. Teria sido a menina? Ele olha para trás. Vê cabelos loiros, não tão loiros, como anos atrás, emoldurando a cabeça de uma menina. Chamar, falar, sou eu, aquele que queria casar com você, se lembra de mim, fui eu que fiz os cavalinhos de sabugo de milho, olhe para trás, como você se chama... A tristeza da partida, o desconhecido que o espera, a namorada que deixava na capital – sim, estava namorando – a impossibilidade de nem saber o nome daquela menina... Ah, seria ela mesma? Chorou. Seus passos desciam pela escada e suas lágrimas desciam-lhe a face. Titubeou. Olhou de novo para trás. Os olhos marejados não viam nada.  Não percebeu que a menina tinha olhado para trás e o fitava. Teria ela reconhecido aquele moço que lhe fez um cavalinho de sabugo de milho, que dissera que ia casar-se com ela? Que nem ao menos sabia seu nome?O ônibus foi um refrigério para ele.
Fim do capítulo.
Ainda tem mais dois.


sexta-feira, 1 de março de 2013

História de Amor... Um conto.


Este conto, longo, mas dividido em quatro capítulos, vai falar dos encontros, por acaso, que aconteceram entre um homem e uma mulher. Qualquer semelhança (não) é mera coincidência. Calcada em fatos reais, a história é tingida pelas cores da ficção. É inédito para todos os meus leitores do blog. No futuro, talvez faça parte de meu livro de contos. Não percam esta fascinante história.


A HISTÓRIA DE AMOR ENTRE UM HOMEM E UMA MULHER E SUA CRONOLOGIA.
Mário Cleber da Silva
Primeiro Capítulo.

Corria o ano de 1945 quando ele nasceu na pequena, fria e ventosa cidade de Turvo. Não houve nenhum acontecimento extraordinário na cidade para comemorar o fato (um tsunami, bomba atômica, eclipse do sol ou da lua ou um meteorito caindo na Rússia), exceto que a Segunda Guerra Mundial caminhava para o seu final. E em seus primeiros anos  de vida tudo  transcorria de forma normal e sem novidades. Mas foi aos 4 anos, depois de ouvir as práticas assustadoras dos padres lazaristas nas missões, ameaçando todos com o fogo do inferno, não se sabe se por medo ou por esperteza, já que os sacerdotes deveriam ser assim carne e unha com deus e portanto livres do castigo divino, que tomou uma decisão importante que ia mudar sua vida: resolveu ser padre. Fazia seus sermõezinhos, usava uma pequena batina que a mãe, atenta aos anseios do filho, mandara confeccionar e até, isso já era mais que levadeza, pedia dinheiro pelos batismos, confissões, eucaristia (em vez da insípida hóstia, bolinho de fubá que sua mãe fazia, e que era muito festejado).  Mas, raquítico e fraquinho como era, a família não permitiu que fosse para o seminário com 10 anos, cousa bastante comum naquela época, visto que o Estatuto da Criança e do Adolescente nem existia para evitar tal despautério. Entretanto, um outro padre veio em sua ajuda, por vias tortuosas, claro. Frei Xisto, um franciscano estadunidense – que se evite o colonizado “americano”, visto sermos todos da América, idéia que seria aprendida posteriormente com ela – cismou com ele e, além de obrigá-lo a fazer o Curso de Admissão por um ano – outra cousa já esquecida pelas novas gerações – reprovou-o vergonhosamente no Latim, dois anos depois.
- Repetir de ano aqui, de jeito nenhum – repetia ele para toda a família, e assim, por causa dessa desdita, em 1959, quando ela nasceu, foi para o Seminário Menor de Juiz de Fora, onde a trancos e barrancos, superou as exigências escolares, o frio do inverno da Manchester mineira  e a fome, visto que a comida era intragável, e ele, muito enjoado para comer (mal sabia ele que iria se deliciar com os divinos pratos que ela iria lhe preparar). Salvaram-no da inanição as caixas e mais caixas de abacates, goiabadas, chocolates em barra (não os suíços, seus prediletos quando mais velho) e biscoitos, que seus pais mandavam às escondidas, e as artimanhas que usava para descolar alguma comidinha menos insossa, que deixarei de narrar aqui, para evitar denegrir, ops, digo, sujar, nestes tempos politicamente corretos, sua imagem.
Foi curiosamente em 62, quando ela fez três aninhos na bucólica Patos de Minas para onde o pai tinha mudado, que ele teve a primeira crise sacerdotal e quis escafeder-se do nosocômio, digo , seminário. Seguraram-no as ponderações do diretor espiritual, Padre Hernani, um intelectual de mão cheia que lhe falava até do Código de Hamurábi  (ela iria se espantar ao ouvi-lo falar do código, mais conhecido pelos historiadores e geógrafos). Quando o seminário Maior de Mariana o recebeu, parecia que tudo ia correr a contento. Nem a Revolução de 64 buliu com sua vocação. Mas aí veio 1965.

Tchan, tchan, tchan. Daqui uns dias tem mais.