Fazenda onde nasceu o blogueiro. Foto Luis Fernando Gomes

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segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Arca de Babel... Torre de Noé ...Uma confusão bíblica.

Quando escrevi esta história a TV brasileira ainda não tinha sido invadida pelos alienígenas canais religiosos de todos os matizes. Hoje são tantos os programas, são tantos os canais, tanta a influência do poder "espiritual", que, em vez de um "Samba de Crioulo Doido" (famosíssima marchinha carnavalesca  do século passado), teremos uma verdadeira confusão bíblica chamada de ...


 Arca de Babel e Torre de Noé.

            Babel já estava um pouco cansado de trabalhar na arca que Deus mandou construir e não conseguia chegar ao fim. Soubera por relatos de seus antepassados que Noé, o grande engenheiro no início dos tempos, tentara construir uma torre que chegasse aos céus, ou pelo menos que os arranhasse, mas não conseguiu. No máximo se tornara o pai dos arranha céus. Quando lhe contaram esta história, quase desistiu mesmo do intento, mas já que Deus lhe pedira, ia tentar mais um pouco.
            Resolvera, então, chamar o Davi para lhe dar uma mãozinha. Ele era o mais forte e mais alto de todos os judeus vivos na atualidade e tinha um excelente curriculum: fora o braço direito de Noé na malograda obra, já supracitada, sobretudo pela sua habilidade em lançar pedras. Davi, porém, se fez de rogado, pois estava namorando Dalila, linda mulher de longos e cacheados cabelos, que lhe desciam pelas costas. Para falar a verdade, Babel fora encontrar o casal numa conversa animada com Golias, um magrelinho, cheio de sardas e espinhas, estas últimas – o povo dizia – eram porque tinha aprendido umas práticas estranhas com Onã.  Mas Golias era um bom sujeito, fazendo graça e contando piada de judeus para todo mundo, tornando-se o primeiro humorista a fazer stand up comedy. Foi contratado pela Rede É de Ir Mais Cedo, um pastor de cabras, que ficara riquíssimo, construindo templos por todo mundo conhecido. O programa ia ao ar, depois das cerimônias das Sinagogas, das rezas das Igrejas católicas, das orações mulçumanas e dos cultos protestantes: portanto muito tarde. Ganhava o Golias uma fortuna para a época: 30 dinheiros. Golias se dava muito bem com Davi, sendo que qualquer insinuação em relação aos dois é puro despeito, sobretudo dos árabes , que gostam de tirar um sarro em cima do povo escolhido.
- Posso ir – disse Davi com aquele vozeirão parecido com o personagem que interpreta Hulk na TV – mas só se o Golias for. Trabalho melhor, dando risadas.
            Golias não era bobo de ir contra Davi, apesar de não ter muito tempo disponível. Além do trabalho de humorista na TV, estava treinando atirar com estilingue para ir às Olimpíadas do Rio. Então lá foram os dois, depois que Davi deu um beijinho nos cabelos de Dalila. Mas além de bom no trabalho, Davi também era bom de briga. Começou uma discussão feia com os empregados da Arca, que reclamavam dos salários atrasados e perguntavam se aquilo era Ong para eles trabalharem de graça. Babel, percebendo isto, e querendo evitar o mesmo fim da Torre de Noé, resolveu pedir auxílio a Jeová, cujo número de celular só ele, Babel, tinha. Ia também aproveitar os bônus das operadoras.
- Procure Salomão – disse laconicamente Jeová. - Estou ocupado escrevendo os Dez Mandamentos na Tábua par entregar para o Adão na Sarça Ardente.
            E como foi difícil encontrar Salomão, mesmo com GPS. Parecia ser o irmão da Dalila, devido aos seus longos cabelos. Tinha uma força hercúlea quando fazia chapinha. Após procurá-lo por quarenta dias e quarenta noites, encontrou-o num salão de cabeleireiro, em um sábado de Aleluia.  Todo cheio de bobs, estava chorando copiosamente: as areias do deserto estavam acabando com seus longos cabelos. Tinha usado todo tipo de xampu. Infrutiferamente. Era oleoso demais o cabelo de Salomão. Tinha tanto óleo que ele queria vendê-lo para substituir o petróleo dos árabes. Foi então que surgiu Daniel, o sábio, inseparável amigo de Salomão. Disse o sábio Daniel:
- Divida seus cabelos em duas metades e use dois tipos de xampu de marcas diferentes.
“Moa” idéia.  Falou Salomão, que tinha um problema de fala. Não conseguia falar o B.Era “mom” amigo “mosta” e ca”me”leireiro. Tanto era o defeito dele, e por não haver fonoaudiólogo ainda, que as pessoas pensavam que o nome dele era “Salobão”, e não Salomão.
            Assim que Babel – chamado por Salomão de “Mamel” – contou a história de Davi e a arca que estava construindo e a confusão que estava acontecendo., o dono da vasta cabeleireira pôs-se de pé, tropeçou nos próprios cabelos, e disse:
- Vamos, Daniel, vamos ajudar o “Mamel”.
- Vamos Salomão – completou Daniel. – Mas vou chamar o Sansão e os leões de sua cova.
- Sá”m”ias palavras, “mom” amigo – disse Salobão, digo Salomão.
- Ah, não vai dar, queixou-se desanimado Babel, ou Mamel. Já levei os leões para a Arca e o Sansão está sozinho na cova, tomando conta do bebê Moisés, que está na cesta básica.

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De jeito nenhum, disse-me o diretor de TV, fumando furiosamente, quando fui levar este script para passar na noite de Natal. Está tudo bagunçado.
- A culpa é da TV Bocó, com estas histórias bíblicas com brasileiros fazendo papel de judeus.




quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Psicopatas e Sociopatas.

Somos bombardeados com notícias apavorantes de crimes, assassinatos e outras anomalias do comportamento humano.

Uma entrevista com psicólogo canadense, que a Veja publicou em 2009, sobre psicopatas é tema pesado e problemático, porém vale a pena ler.

O trabalho do psicólogo canadense Robert Hare, de 74 anos, confunde quase tudo o que a ciência descobriu sobre os psicopatas nas últimas duas décadas. Foi ele quem, em 1991, identificou os critérios hoje universalmente aceitos para diagnosticar os portadores desse transtorno de personalidade. Hare começou a aproximar-se do tema ainda recém-formado, quando, trabalhando com detentos de uma prisão de segurança máxima nas proximidades de Vancouver, ficou intrigado com uma questão: "Eu queria entender o motivo pelo qual, em alguns seres humanos, a punição não tem efeito algum". A curiosidade levou-o até os labirintos da psicopatia – doença para a qual, até hoje, não se vislumbra cura. "O que tentamos agora é reduzir os danos que ela causa, aos seus portadores e aos que os cercam." (abril de 2009)
Um psicopata nasce psicopata?
Ninguém nasce psicopata. Nasce com tendências para a psicopatia. A psicopatia não é uma categoria descritiva, como ser homem ou mulher, estar vivo ou morto. É uma medida, como altura ou peso, que varia para mais ou para menos.
O senhor é o criador da escala usada mundialmente para medir a psicopatia. Quais são as características que aproximam uma pessoa do número 40, o grau máximo que sua escala estabelece?
As principais são ausência de sentimentos morais – como remorso ou gratidão –, extrema facilidade para mentir e grande capacidade de manipulação. Mas a escala não serve apenas para medir graus de psicopatia. Serve para avaliar a personalidade da pessoa. Quanto mais alta a pontuação, mais problemática ela pode ser. Por isso, é usada em pesquisas clínicas e forenses para avaliar o risco que um determinado indivíduo representa para a sociedade.
Todo psicopata comete maldades?
Não necessariamente com o intuito de cometer a maldade. Os psicopatas apresentam comportamentos que podem ser classificados de perversos, mas que, na maioria dos casos, têm por finalidade apenas tornar as coisas mais fáceis para eles – e não importa se isso vai causar prejuízo ou tristeza a alguém. Mas há os psicopatas do tipo sádico, que são os mais perigosos. Eles não somente buscam a própria satisfação como querem prejudicar outras pessoas, sentem felicidade com a dor alheia.
Até que ponto a associação entre a figura do psicopata e a do serial killer é legítima?
A estimativa é que cerca de 1% da população mundial preencheria os critérios para o diagnóstico de psicopatia. Nos Estados Unidos, haveria, então, cerca de 3 milhões de psicopatas. Se o número de serial killers em atividade naquele país for, como se acredita, de aproximadamente cinquenta, isso significa que a participação desses criminosos no universo de psicopatas é muito pequena. Por outro lado, segundo um estudo do psiquiatra americano Michael Stone, cerca de 90% dos serial killers seriam psicopatas.
Em que medida o ambiente influencia na constituição de uma personalidade psicopata?
Na década de 20, John B. Watson, um estudioso de psicologia comportamental, dizia que, ao nascer, nós somos como páginas em branco: o ambiente determina tudo. Na sequência, entrou em voga o termo sociopata, a sugerir que a patologia do indivíduo era fruto do ambiente – ou seja, das suas condições sociais, econômicas, psicológicas e físicas. Isso incluía o tratamento que ele recebeu dos pais, como foi educado, com que tipo de amigos cresceu, se foi bem alimentado ou se teve problemas de nutrição. Os adeptos dessa corrente defendiam a tese de que bastava injetar dinheiro em programas sociais, dar comida e trabalho às pessoas, para que os problemas psicológicos e criminais se resolvessem. Hoje sabemos que, ainda que vivêssemos uma utopia social, haveria psicopatas.
Como se chegou a essa conclusão?
Na década de 60, vários estudiosos, inclusive eu, começaram a pesquisar a reação de um grupo de psicopatas a situações que, em pessoas normais, produziriam efeitos sobre o sistema nervoso autônomo. Quando se está na expectativa da ocorrência de algo desagradável, a preocupação do indivíduo transparece por meio de tremores, transpiração e aceleração cardíaca. Os psicopatas estudados, mesmo quando confrontados com situações de tensão, não exibiam esses sintomas. Isso reforçou a conclusão de que existem diferenças cerebrais entre psicopatas e não psicopatas. Pouco a pouco, essas diferenças vêm sendo mapeadas.
É possível observar sinais que indiquem que uma criança pode se tornar um adulto psicopata?
Não há nada que indique que uma criança forçosamente se transformará num psicopata, mas é possível notar que algo pode não estar funcionando bem. Se a criança apresenta comportamentos cruéis em relação a outras crianças e animais, é hábil em mentir olhando nos olhos do interlocutor, mostra ausência de remorso e de gratidão e falta de empatia de maneira geral, isso sinaliza um comportamento problemático no futuro.
Os pais podem interferir nesse processo?
Sim, para o bem e para o mal, mas nunca de forma determinante. O ambiente tem um grande peso, mas não mais do que a genética. Na verdade, ambos atuam em conjunto. Os pais podem colaborar para o desenvolvimento da psicopatia tratando mal os filhos. Mas uma boa educação está longe de ser uma garantia de que o problema não aparecerá lá na frente, visto que os traços de personalidade podem ser atenuados, mas não apagados. O que um ambiente com influências positivas proporciona é um melhor gerenciamento dos riscos.
Os psicopatas têm consciência de que são diferentes?
A consciência, o processo de avaliar se algo deve ser feito ou não, envolve não somente o conhecimento intelectual, mas também o aspecto emocional. Do ponto de vista intelectual, o psicopata pode até saber que determinada conduta é condenável, mas, em seu âmago, ele não percebe quão errado é quebrar aquela regra. Ele também entende que os outros podem pensar que ele é diferente e que isso é um problema, mas não se importa. O psicopata faz o que deseja, sem que isso passe por um filtro emocional. É como o gato, que não pensa no que o rato sente – se o rato tem família, se vai sofrer. Ele só pensa em comida. Gatos e ratos nunca vão entender um ao outro. A vantagem do rato sobre as vítimas do psicopata é que ele sempre sabe quem é o gato.
É muito difícil identificar um psicopata no dia a dia?
Superficialmente, um psicopata pode parecer um sujeito normal. Mas, ao conhecê-lo melhor, as pessoas notarão que ele é um indivíduo problemático em diversos aspectos da vida. Ele pode ignorar os filhos, mentir sistematicamente ou apresentar grande capacidade de manipulação. Se é flagrado fazendo algo errado, por exemplo, tenta convencer todo mundo de que está sendo mal interpretado.
Um psicopata não sente amor?
Acredito que sim, mas da mesma forma como eu, digamos, amo meu carro – e não da forma como eu amo minha mulher. Usa o termo amor, mas não o sente da maneira como nós entendemos. Em geral, é traduzido por um sentimento de posse, de propriedade. Se você perguntar a um psicopata por que ele ama certa mulher, ele lhe dará respostas muito concretas, tais como "porque ela é bonita", "porque o sexo é ótimo" ou "porque ela está sempre lá quando preciso". As emoções estão para o psicopata assim como o vermelho está para o daltônico. Ele simplesmente não consegue vivenciá-las.
Que figuras históricas podem ser consideradas psicopatas?
É difícil dizer, porque seu comportamento é mediado por relatos de terceiros, e não por um diagnóstico psiquiátrico. Mas o ditador da ex-União Soviética Josef Stalin, por exemplo, era de tal forma impiedoso que talvez possa ser considerado psicopata. O ex-ditador iraquiano Saddam Hussein é outro exemplo. Eu ficaria muito surpreso se ele não preenchesse todos os critérios para a psicopatia. Aliás, Saddam tinha um filho claramente psicopata (Udai Hussein, morto em 2003), dirigente de um time de futebol. Quando o time perdia, ele torturava os jogadores – ou seja, era sádico também. Já o líder nazista Adolf Hitler é um caso mais complexo. Ele provavelmente não era só psicopata.
A psicopatia é incurável?
Por meio das terapias tradicionais, sim. Pegue-se o modelo-padrão de atendimento psicológico nas prisões. Ele simplesmente não tem nenhum efeito sobre os psicopatas. Nesse modelo, tenta-se mudar a forma como os pacientes pensam e agem estimulando-os a colocar-se no lugar de suas vítimas. Para os psicopatas, isso é perda de tempo. Ele não leva em conta a dor da vítima, mas o prazer que sentiu com o crime. Outro tratamento que não funciona para criminosos psicopatas é o cognitivo – aquele em que psicólogo e paciente falam sobre o que deixa o criminoso com raiva, por exemplo, a fim de descobrir o ciclo que leva ao surgimento desse sentimento e, assim, evitá-lo. Esse procedimento não se aplica aos psicopatas porque eles não conseguem ver nada de errado em seu próprio comportamento.
No Brasil, os psicopatas costumam ser considerados semi-imputáveis pela Justiça. Os magistrados entendem que eles até podem ter consciência do caráter ilícito do que cometeram, mas não conseguem evitar a conduta que os levou a praticar o crime. Assim, se condenados, vão para a cadeia, mas têm a pena diminuída. O senhor acha que, do ponto de vista jurídico, os psicopatas são totalmente responsáveis por seus atos?
Eu diria que a resposta é sim. Mas há divergências a respeito e existem muitas investigações em andamento para determinar até que ponto vai a responsabilidade deles em certas situações. Uma corrente de pensamento afirma que o psicopata não entende as consequências de seus atos. O argumento é que, quando tomamos uma decisão, fazemos ponderações intelectuais e emocionais para decidir. O psicopata decide apenas intelectualmente, porque não experimenta as emoções morais. A outra corrente diz que, da perspectiva jurídica, ele entende e sabe que a sociedade considera errada aquela conduta, mas decide fazer mesmo assim. Então, como ele faz uma escolha, deve ser responsabilizado pelos crimes que porventura venha a cometer. Não há dados empíricos que deem apoio a um lado ou a outro. Ainda é uma questão de opinião. Acredito que esse ponto será motivo de discussão pelos próximos cinco ou dez anos, tanto por parte dos especialistas em distúrbios mentais quanto pelos profissionais de Justiça.
O senhor está para publicar um estudo sobre um novo modelo de tratamento para psicopatas. Do que se trata?
Trata-se de um modelo mais afeito à escola cognitiva, em que os pacientes são levados a compreender que até podem fazer algo que desejem, sem que isso seja ruim para os outros. Não vai mudá-los, mas talvez possa atenuar as consequências de suas ações. É um tratamento com ambições relativamente modestas – tem por objetivo a redução de danos.
OBS: psicopatia e sociopatia são termos equivalentes, utilizados ora um ora outro pelos especialistas conforme suas pesquisas ou seus objetivos..

sábado, 17 de novembro de 2012

"Olho Gordo" existe?


VOCÊ ACREDITA EM “OLHO GORDO”?

Décadas atrás, li um pequeno,  mas marcante livro: A Psicologia da Superstição. Se eu já não era dado a superstições, depois da leitura do texto, deixei de ser supersticioso (gato preto, passar debaixo de escada, número 13, e outros mais.). /Quanto ao “olho gordo”, aí a coisa muda de figura. O artigo logo abaixo vai colocar duas posições: uma, totalmente contrário à sua existência e outra, a favor.
Acho melhor ficar como o espanhol da piadinha: non creo em las brujas, pero que las hay las hay.

Mesmo quem não acredita no poder do "olho gordo", sabe do que se trata: é o nome que se dá às supostas energias negativas transmitidas por alguém à outra pessoa, por raiva, inveja, despeito e outros sentimentos do tipo. A vítima poderia sofrer seus efeitos em diferentes níveis: de riscar acidentalmente o carro novo a ficar doente. Outros sinais seriam sentir desânimo, cansaço, baixo astral e uma sensação de que, por mais que se batalhe, nada dá certo. Para afastar os efeitos do "olho gordo", muita gente busca proteção com rezas, amuletos, simpatias.
Mas, afinal, "olho gordo" existe? E, se existe, pega? Para Etienne Higuet, professor do programa de pós-graduação em Ciências da Religião da Umesp (Universidade Metodista de São Paulo), primeiro é preciso entender o conceito de superstição: crenças e práticas que não são consideradas válidas pelas instituições religiosas oficiais --que no Brasil são, sobretudo, cristãs-- e tidas ainda como vãs e irracionais pela ciência.

"Acreditar que o olhar de certas pessoas têm um poder mágico vem de um fundo religioso muito antigo e arraigado nas culturas ameríndias, afro-americanas e europeias, especialmente latinas e camponesas, que o cristianismo institucional nunca conseguiu abafar completamente", afirma. Etienne explica que essa ideia subsiste no inconsciente coletivo e, no Brasil, ganha força com a herança das culturas indígenas e africanas, a intensa adesão local ao espiritismo e o sincretismo entre todas as tendências religiosas.
 
Para o especialista da Umesp, o "olho gordo" corresponde à imensa vontade humana de poder controlar o destino. Só que esse desejo encontra múltiplos obstáculos, de modo que qualquer fracasso pode ser facilmente atribuído a pessoas mal intencionadas ou detentoras de forças que elas mesmas não conseguem controlar. "Pode ser um meio de não assumir a responsabilidade por certos fracassos ou acontecimentos, atribuindo o ocorrido a outras pessoas ou a forças irracionais incontroláveis", diz.
 

Suscetibilidades e intenções


Na opinião do psicanalista Leonard F. Verea, especialista em Medicina Psicossomática e Hipnose Clínica, as chamadas energias negativas acabam atingindo quem crê na sua força e no seu poder. "Essas pessoas, em geral, não têm boa autoestima nem valorizam o suficiente as próprias qualidades. A insegurança às torna suscetíveis às opiniões alheias", conta. Para ele, uma forma de se preservar do "olho gordo" seria se transformar no próprio amuleto, fortalecendo o pensamento positivo e a autoimagem.

A intenção de quem supostamente emite energias negativas pode ser consciente ou não. Marta Leopoldo dá o exemplo de quando batemos o dedo numa porta e a chutamos, com raiva. "Essa atitude nada mais é do que dar o troco. É como se quiséssemos que a porta sentisse a nossa dor", diz. A pessoa que emana o "olho gordo" está sofrendo e incomodada, mas nem sempre se dá conta das razões. Ao "secar" alguém e presenciar o outro se dando mal, de algum jeito, ela se sente acolhida e aliviada, pois repartiu sua amargura.

Autossabotagem


Para a psicóloga Marta Rita Leopoldo, especialista em terapia junguiana e pós-graduada em neuropsicologia, nossa mente é extremamente complexa e pode, inclusive, nos boicotar. "Às vezes, por questões inconscientes, achamos que não merecemos determinadas coisas, que vão de bens materiais a relacionamentos amorosos. Abrimos espaço na vida para que as coisas deem errado", declara.
Ela comenta a já citada situação de ralar sem querer o automóvel novinho no portão da garagem. Para ela, no fundo, a pessoa não se sente merecedora de tê-lo. Ao estragá-lo, se sente mais confortável. Ainda segundo Marta Leopoldo, o medo é um fator que atrai as "más vibrações". Vale o mesmo exemplo do carro: o motorista tem tanto receio de lesar o bem que acaba justamente fazendo o que mais teme. "E aí, ao considerar esse acontecimento um sinal de ‘olho gordo’, se sente mais aliviado. 'Pelo menos já aconteceu', é o que pensa no íntimo", fala a psicóloga. O que isso significa? Que talvez o “olho gordo” possa ser produzido por nós mesmos.

Visão da física quântica


Dificilmente a ciência consegue explicar todos os fenômenos –em especial aqueles que supostamente acontecem na mente humana– e deixa uma importante margem para as crenças. Uma premissa da física quântica, no entanto, defende que não só o “olho gordo” existe como pode ser visto em laboratório.

"Para a física quântica, a matéria não é o mais importante. O que importa são os movimentos das energias, questões que vão além daquilo que ocorre no cérebro", afirma a cientista a psicoterapeuta Claudia Riecken, ativista quântica e seguidora do indiano Amit Goswami (uma das estrelas do documentário "Quem Somos Nós?", de 2004), referência mundial em estudos que buscam conciliar ciência e consciência.

Segundo Claudia Riecken, toda intenção gera uma frequência de ondas que altera o campo magnético das pessoas –daquelas que emanam e de quem recebe. "E isso é percebido em exames feitos por neurocientistas, através de mudanças nos fótons [partículas de luz] detectadas no cérebro", conta ela, declarando que não existem fronteiras que atrapalhem os resultados. Assim, o “olho gordo” poderia atingir até quem está no Japão.

Para a cientista, é possível barrar os pensamentos negativos ao trabalhar o próprio campo magnético de energia –através da compaixão, da autoestima, do perdão. "A inveja do outro fisga a sua. O ‘olho gordo’ só pega em quem também o traz dentro de si e quer competir, brigar, disputar", declara. De acordo com Claudia, atacar de volta nunca é o melhor estilo de se defender. 

Uma conclusão é comum entre os especialistas: se existe "olho gordo" ou não, o melhor é não prestar atenção ao redor, mas em si mesmo. Para Etienne Higuet, docente de Ciências da Religião, as pessoas têm razão em acreditar na presença maciça do mal no mundo, especialmente no mal que as pessoas desejam para as outras. "A influência de mentes perversas nunca deve ser superestimada", diz.
 

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Terapia de Casais.


Fazer terapia individual costuma ser difícil para as pessoas. É necessário superar vários obstáculos. A terapia de casal, então, fica às vezes mais complicada. Não trabalhei nesta área, mas já indiquei casais para colegas meus. Yalom, grande mestre da psicologia, com seu saboroso livro, O Carniceiro do Amor, fala de suas experiências com casais. Aqui temos um texto interessante de um profissional da área, do Paraná.


TERAPIA DE CASAL. QUANDO FAZÊ-LA.
Roberte Metring.

A psicoterapia ainda é uma prática muito pouco difundida, e se verifica com frequência que o leigo tem dificuldade de saber quando buscá-la ou não. Ao falarmos de terapia de casal, penso que as dúvidas são ainda maiores, e que há diferenças entre essas práticas que sugerem recomendações diferentes para cada uma delas (terapia individual e terapia de casal). Para apresentar minha opinião a este respeito, percorrerei um caminho um pouco tortuoso, mas penso que ilustrativo.
Começo perguntando ao leitor: por que algumas práticas saudáveis não fazem parte de nossa rotina? 
Nós, diariamente, dormimos, alimentamo-nos, tomamos banho e, na maioria dos dias, trabalhamos. Todos estes comportamentos são (guardadas as proporções adequadas) saudáveis para nós. Por outro lado, há uma série de outras coisas que são importantíssimas para nosso equilíbrio físico e emocional e para as quais damos pouca ou nenhuma atenção, como exercícios físicos, encontrar amigos, sairmos para nos divertir e nos conhecermos.
Todas as atividades acima deveriam fazer parte de nossa rotina, pois elas contribuem para nosso bem-estar global. Eu poderia listar os benefícios que cada uma delas podem nos trazer, mas isto faria com que este artigo ficasse extenso e, por não se tratar de nosso objetivo principal, correria um risco desnecessário (do leitor abandonar a leitura antes do final). Então, vou me ater apenas à última delas, nos conhecermos.
A terapia é um recurso desenvolvido para nos auxiliar na compreensão e modificação (quando necessária) de nosso modus operandi. Ou seja, é um processo pelo qual aprendemos a identificar como se estabelecem e o que mantém nossos comportamentos, nossas relações (sejam no contexto pessoal, afetivo, profissional, social, etc.). Através deste autoconhecimento, estaremos mais preparados a modificá-los quando verificarmos que a maneira como estamos vivenciando-os está nos trazendo sofrimento ou que sendo eles modificados poderemos obter ganhos no que se refere a “benefícios emocionais”. Assim, podemos caracterizar a terapia como um recurso desenvolvido para nos auxiliar a manter nosso equilíbrio emocional. 
Estes benefícios que a terapia pode proporcionar para o indivíduo podem se destinar ao seu bem-estar global, ou se direcionar a algum aspecto de sua vida. No primeiro caso, estamos falando da terapia individual, quando o cliente e seu analista/terapeuta trabalharão em diferentes frentes, tais como relacionamentos profissionais, familiares, pessoais, amorosos, etc., em busca de um equilíbrio emocional global, sendo esta altamente recomendável por mim, com praticamente nenhuma contraindicação. 
No caso de um trabalho “mais focado”, elege-se qual aspecto será alvo do trabalho. Como o próprio termo “focado” sugere, não se trata de algo para o bem-estar global, mas sim específico. Neste caso, sua recomendação também deve ser mais específica.
Se retomarmos a questão inicial — que é: quando se justifica uma terapia de casal? —, diria que uma terapia de casal se justifica em casos em que há grande sofrimento para manter a relação por ambos, ou a comunicação entre o casal não ocorre, ou ainda há o desejo de um dos membros de reformular a relação e a dificuldade pela outra parte de aceitar a mudança, entre outras possibilidades. Resumindo, a princípio, a terapia de casal é recomendável em casos que pelo menos um integrante do casal apresente sofrimento em decorrência das experiências vividas naquela relação. 
Porém, diferentemente da terapia individual, a qual acredito poder ser recorrida quase que sem restrições, não recomendaria a terapia de casal a todos os casos. Uma situação que eu a contraindicaria seria quando o problema que gera sofrimento a um dos membros do casal é o mesmo que ele vivencia em outros aspectos de sua vida e, ao mesmo tempo, o outro membro do casal não vê nenhum problema na relação. Por exemplo, uma das partes relata ter medo de ser abandonada pela outra, mesmo não se verificando indícios que isso está prestes a ocorrer – ao contrário, a outra parte reafirma que está satisfeita com a relação –; e, medo de perder o emprego, os amigos, etc. Neste caso, minha sugestão seria que este indivíduo buscasse se engajar em uma terapia individual, pois seria mais proveitoso para ele do que a terapia de casal.
Resumindo, a terapia de casal deve ser indicada mais em casos que há problemas específicos na relação afetiva e que dizem respeito aos membros do casal. Neste caso, difere da terapia individual, que, como defendi mais no início deste artigo, é altamente recomendada ainda que puramente como forma de autoconhecimento, independentemente da existência ou não de problemas imediatos.
FONTE: NICODEMOS B. BORGES – Comporte-se Psicologia Cientítica.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

O Sermão do Diabo, de Machado de Assis


No centenário da morte de Machado de Assis, ganhei um livro, “Almanaque Machado de Assis”, de Luiz Antônio Aguiar. Além de aprender muita coisa nova sobre o grande escritor, revi textos, frases e soube de trabalhos inéditos, entre eles este “Sermão”. Machado De Assis, crítico da Bíblia e religião, foi coerente: não aceitou a extrema unção, quando morria. E suas últimas palavras foram: A vida é boa.
Que se leia este texto pelo seu lado crítico e mordaz.


O SERMÃO DO DIABO
Publicado originalmente em Gazeta de Notícias 1893
Nem sempre respondo por papéis velhos; mas aqui está um que parece autêntico; e, se o não é,
vale pelo texto, que é substancial. É um pedaço do evangelho do Diabo, justamente um
sermão da montanha, à maneira de S. Mateus. Não se apavorem as almas católicas. Já  Santo
Agostinho dizia que “a igreja do Diabo imita a igreja de Deus”. Daí a semelhança entre os dois
evangelhos. Lá vai o do Diabo:
1º E vendo o Diabo a grande multidão de povo, subiu a um monte, por nome Corcovado, e, depois de se ter sentado, vieram a ele os seus discípulos.
2º E ele, abrindo a boca, ensinou dizendo as palavras seguintes.
3º Bem-aventurados aqueles que embaçam, porque eles não serão embaçados.
4º Bem-aventurados os afoitos, porque eles possuirão a terra.
5º Bem-aventurados os limpos das algibeiras, porque eles andarão mais leves.
6º Bem-aventurados os que nascem finos, porque eles morrerão grossos.
7º Bem-aventurados sois, quando vos injuriarem e disserem todo o mal, por meu respeito.
8º Folgai e exultai, porque o vosso galardão é copioso na terra.
9º Vós sois o sal do money market. E se o sal perder a força, com que outra coisa se há de salgar?
10º Vós sois a luz do mundo. Não se põe uma vela acesa debaixo de um chapéu, pois assim se
perdem o chapéu e a vela.
11º Não julgueis que vim destruir as obras imperfeitas, mas refazer as desfeitas.
12º Não acrediteis em sociedades arrebentadas. Em verdade vos digo que todas se consertam, e se não for com remendo da mesma cor, será com remendo de outra cor.
13º Ouvistes que foi dito aos homens: Amai-vos uns aos outros. Pois eu digo-vos: Comei-vos uns aos outros; melhor é comer que ser comido; o lombo alheio é muito mais nutritivo que o próprio.
14º Também foi dito aos homens: Não matareis a vosso irmão, nem a vosso inimigo, para que não sejais castigados. Eu digo-vos que não é preciso matar a vosso irmão para ganhardes o reino da terra;basta arrancar-lhe a última camisa.
15º Assim, se estiveres fazendo as tuas contas, e te lembrar que teu irmão anda meio desconfiado de ti, interrompe as contas, sai de casa, vai ao encontro de teu irmão na rua, restitui-lhe a confiança, e tira-lhe o que ele ainda levar consigo.
16º Igualmente ouvistes que foi dito aos homens: Não jurareis falso, mas cumpri ao Senhor os teus juramentos.
17º Eu, porém, vos digo que não jureis nunca a verdade, porque a verdade nua e crua, além de
indecente, é dura de roer; mas jurai sempre e a propósito de tudo, porque os homens foram feitos para crer antes nos que juram falso, do que nos que não juram nada. Se disseres que o sol acabou,todos acenderão velas.
18º Não façais as vossas obras diante de pessoas que possam ir contá-lo à polícia.
19º Quando, pois, quiserdes tapar um buraco, entendei-vos com algum sujeito hábil, que faça treze de cinco e cinco.
20º Não queirais guardar para vós tesouros na terra, onde a ferrugem e a traça os consomem, e de onde os ladrões os tiram e levam.
21º Mas remetei os vossos tesouros para algum banco de Londres, onde a ferrugem, nem a traça os consomem, nem os ladrões os roubam, e onde ireis vê-los no dia do juízo.
22º Não vos fieis uns nos outros. Em verdade vos digo, que cada um de vós é capaz de comer o seu vizinho, e boa cara não quer dizer bom negócio.
23º Vendei gato por lebre, e concessões ordinárias por excelentes, a fim de que a terra se não
despovoe das lebres, nem as más concessões pereçam nas vossas mãos.
24º Não queirais julgar para que não sejais julgados; não examineis os papéis do próximo para que ele não examine os vossos, e não resulte irem os dois para a cadeia, quando é melhor não ir nenhum.
25º Não tenhais medo às assembléias de acionistas, e afagai-as de preferência às simples comissões,porque as comissões amam a vanglória e as assembléias as boas palavras.
26º As porcentagens são as primeiras flores do capital; cortai-as logo, para que as outras flores
brotem mais viçosas e lindas.
27º Não deis conta das contas passadas, porque passadas são as contas contadas e perpétuas as contas que se não contam.
28º Deixai falar os acionistas prognósticos; uma vez aliviados, assinam de boa vontade.
29º Podeis excepcionalmente amar a um homem que vos arranjou um bom negócio; mas não até o ponto de o não deixar com as cartas na mão, se jogardes juntos.
30º Todo aquele que ouve estas minhas palavras, e as observa, será comparado ao homem sábio, que edificou sobre a rocha e resistiu aos ventos; ao contrário do homem sem consideração, que edificou sobre a areia, e fica a ver navios...
Aqui acaba o manuscrito que me foi trazido pelo próprio Diabo, ou alguém por ele; mas eu creio que era o próprio. Alto, magro, barbícula ao queixo, ar de Mefistófeles. Fiz-lhe uma cruz com os dedos e ele sumiu-se. Apesar de tudo, não respondo pelo papel, nem pelas doutrinas, nem pelos erros de cópia.
FIM de O sermão do Diabo




segunda-feira, 5 de novembro de 2012

MUITO ALÉM DA NOVELA AVENIDA BRASIL.






Um excelente e seríssimo depoimento de uma psicóloga analisando a patologia da novela, terminada recentemente. Não vejo Big Brother de jeito nenhum. Novelas, vejo-as, esporadicamente.
Assim sendo, as idéias de minha colega são muito pertinentes.
Quanto à  modelo africana, existe um filme muito bom sobre a história dela: Flor do Deserto



Estava com amigos na 5ª feira passada, dia 18 de outubro, quando subitamente a música ambiente parou de tocar e todas as telas de projeção do bar passaram a transmitir o penúltimo capítulo da trama novelesca. Tal fato me deixou perplexa: homens (às vezes pouco afeitos às novelas), mulheres e crianças pareciam hipnotizados pelo que viam: para meu espanto e desengano, ante aos nossos olhos passavam-se trapaças e violências embaladas em caixa e laços de fita de ‘justificadas violências’: "Ah, o Max mereceu morrer assim, ele era mal, etc... O sequestrador mereceu morrer, etc... " Era essa uma parte da triste (a meu ver), murmuração local.
Confesso que isso ainda me choca, continuamos aplaudindo e dando audiência às pequenas e grandes violências, e com isso participamos ativamente do processo de banalização da violência, confirmando um modo de vida nua, tão bem estudado por vários estudiosos das relações sociais, dentre eles o italiano Giorggio Agamben.
Discordo veementemente dos que afirmam que a vida é isso, é aquilo que é veiculado nas telinhas e telonas de nossa Rede Globo: a vida é muito mais que isso, a vida é o que escolhemos fazer dela.
Triste escolha por ‘valores que não edificam’
Engrosso o cordão dos que, em nosso país, se preocupam em ‘bater nas panelas’ para acordar as pessoas, que parecem ‘dormir eternamente em berço esplêndido...’, como cantamos em nosso Hino Nacional.
Sendo, assumidamente uma ‘dissidente’ Nacional, já que a novela aqui em questão comoveu o país, desejo mostrar nestas linhas que se seguem, a tinta ‘invisível’ com que foi escrita a trama que assistimos.
Apesar de tentar acompanhar um capítulo inteiro, nunca consegui: o máximo permitido por meu estômago, que começava a embrulhar, foi de duas partes de um capítulo. Mas foi o suficiente, assessorada, claro, pelo tititi geral que me explicava o enredo, para pescar alguns dos elementos que compuseram as estórias ali desenhadas.
Começo pela escala de valores. Vimos ser diariamente apresentado, com lastimável naturalidade, um verdadeiro rosário do ‘lixo relacional humano’:mentiras, traições, trapaças e vitimizações apareciam como arcabouço, como esqueleto da trama narrada, recheado com as irresponsabilidades que nos fazem ‘vítimas’ de nossas próprias escolhas.
Todos os envolvidos nas histórias, dos mais hilários aos mais bestiais, carregavam o ‘conhecido escudo’ das justificativas que, evidentemente, era sempre o outro: se alguém errava e isso era o lugar comum, havia sempre um álibi que isentava os protagonistas de qualquer autocrítica sobre sua ação inadequada.
Logo, foi possível acompanhar uma escalada progressiva de violências que culminou com uma pessoa sendo ‘linchada’ friamente por vários ‘vingadores’. Também a personagem vilã da trama tem seu final coletivamente abençoado, uma vez que ela só fez o que fez porque foi alvo de um pai abusivo emocional e sexualmente.
Por favor, hipnotizados, convenhamos: os desencaminhamentos de uma pessoa abusada são muito complexos e foram reduzidos nessa história apresentada. Afinal, nem todas as pessoas submetidas ao trama, a ele sucumbem. Menos ainda, obrigatoriamente escolhem passar sua vida em planejamentos vingativos. Se auxiliadas,e para isso precisam pedir ajuda e muitos o fazem, poderão até saltar de suas adversidades para caminhos de crescimento e transformação pessoal e social.
 Outra história é possível
No contraponto da ‘escolha ‘ de vingança, existem várias histórias de superação pessoal e escolhi uma delas para nos auxiliar aqui.
Trata-se da linda mulher Waris Dirie, a primeira modelo africana a ter um contrato permanente com a poderosa fabricante de cosméticos Revlon. Sua história é veiculada nas várias mídias e provam que pessoas submetidas a longos e profundos sofrimentos podem ‘brotar’ no deserto de suas vidas.
Em 1997 ela escreveu seu primeiro livro intitulado “Flor do Deserto” e posteriormente mais outros três. Com eles, pode revisitar suas angústias e declarou haver descoberto que ao longo da existência, em muitos momentos o amor e o sofrimento estarão conectados.
Ela nasceu no deserto da Somália e nele viveu em absoluta situação de carências e privações de todas as ordens. Era agredida fisicamente pelo pai, como forma de ser educada, de se lhe forjar um caráter, e aos cinco anos foi levada para fazer a ‘ablação’: extirparam seu clitóris e os pequenos lábios da vagina. Após costurarem a ferida, o que restou do orifício vaginal era somente suficiente para passar a urina e a menstruação.
Teve uma irmã que morreu logo após a ablação e isso a marcou muito para que um dia pudesse fazer algo pelas mulheres de seu país, para eliminar essa causa de sofrimento e morte.
Ela fugiu da Somália para não casar com um homem de 65 anos e na travessia precisou cruzar o deserto. Dos perigos vividos, um confirmou sua existência: ela despertou um leão (o animal real) e olhou-o bem nos olhos e lhe disse: “ comam-me. Estou preparada”, e ele se foi. Ela conseguiu contato e foi ajudada por uma tia que morava em Londres e era casada com um diplomata.
Vinte anos depois voltou a se reencontrar com sua família e pode reviver assim, concretamente, sua própria história de fé e pujança. Seu pai estava cego e lhe disse que ambos eram muito parecidos, muito fortes, o que muito a comoveu.
Após longos anos como modelo, tornou-se embaixadora das Nações Unidas, percorreu a África e conseguiu que 15 países penalizassem a mutilação feminina. Criou a fundação Desert Dawn (cujo sentido pode ser compreendido em nossa língua como: amanhecer no deserto, para lutar pela violência da mutilação feminina.
Hoje se dedica também ao filho Aeeke, de 13 anos.
Conclusão: a novela acabou, mas a vida segue o rumo que lhe damos
Aqui estamos terminando mais esse encontro reflexivo. Desejo ter acrescentado algo ao nosso mundo pessoal e relacional, ainda mais ao mundo de nossas escolhas.
Tomara que possamos pautar nossas ações em outra escala de valores, mais edificante: na qual a primeira e grande premissa seja o amar, naquele sentido mais biológico (defendido pelo biólogo chileno Humberto Maturana) do termo: a capacidade de deixarmos e de estarmos tranquilos diante do outro. OK?!E para não fugir de nossa tradicional proposta de usar os poetas para encerrar nossas conversas, escolhi para esse desfecho o nosso amado poeta português Fernando Pessoa:“Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, mas nele é que espelhou o céu”. (Fernando Pessoa, Obra Poética, RJ: Editora Nova Aguilar, 17ª reimpressão da terceira edição, 2001).







quinta-feira, 1 de novembro de 2012

"Coisa". Quantas coisas sobre a coisa.


A Internet é algo bem enriquecedor. Ou uma “coisa” bem enriquecedora? (Os leitores decidirão se “algo” ou “coisa”, depois de ler o texto.). Recebo com freqüência textos enviados por amigos meus que acho muito interessantes (os amigos e os textos). Uma ex-colega do Pleno Viver sempre me envia algo diferente e novo. O de hoje é saboroso.
Não foi indicado o nome do autor.


Coisa
A palavra "coisa" é um bombril do idioma. Tem mil e uma utilidades. É aquele tipo de termo-muleta ao qual a gente recorre sempre que nos faltam palavras para exprimir uma idéia. Coisas do português.
A natureza das coisas: gramaticalmente, "coisa" pode ser substantivo, adjetivo, advérbio. Também pode ser verbo: o Houaiss registra a forma "coisificar". E no Nordeste há "coisar": "Ô, seu coisinha, você já coisou aquela coisa que eu mandei você coisar?".
Coisar, em Portugal, equivale ao ato sexual, lembra Josué Machado. Já as "coisas" nordestinas são sinônimas dos órgãos genitais, registra o Aurélio. "E deixava-se possuir pelo amante, que lhe beijava os pés, as coisas, os seios" (Riacho Doce, José Lins do Rego). Na Paraíba e em Pernambuco, "coisa" também é cigarro de maconha.
Em Olinda, o bloco carnavalesco Segura a Coisa tem um baseado como símbolo em seu estandarte. Alceu Valença canta: "Segura a coisa com muito cuidado / Que eu chego já." E, como em Olinda sempre há bloco mirim equivalente ao de gente grande, há também o Segura a Coisinha.
Na literatura, a "coisa" é coisa antiga. Antiga, mas modernista: Oswald de Andrade escreveu a crônica O Coisa em 1943. A Coisa é título de romance de Stephen King. Simone de Beauvoir escreveu A Força das Coisas, e Michel Foucault, As Palavras e as Coisas.
Em Minas Gerais, todas as coisas são chamadas de trem. Menos o trem, que lá é chamado de "a coisa". A mãe está com a filha na estação, o trem se aproxima e ela diz: "Minha filha, pega os trem que lá vem a coisa!".
Devido lugar: "Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça (...)". A garota de Ipanema era coisa de fechar o Rio de Janeiro."Mas se ela voltar, se ela voltar / Que coisa linda / Que coisa louca." Coisas de Jobim e de Vinicius, que sabiam das coisas.
Sampa também tem dessas coisas (coisa de louco!), seja quando canta "Alguma coisa acontece no meu coração",de Caetano Veloso, ou quando vê o Show de Calouros, do Silvio Santos (que é coisa nossa).
Coisa não tem sexo: pode ser masculino ou feminino. Coisa-ruim é o capeta. Coisa boa é a Juliana Paes. Nunca vi coisa assim!
Coisa de cinema! A Coisa virou nome de filme de Hollywood, que tinha o seu Coisa no recente Quarteto Fantástico. Extraído dos quadrinhos, na TV o personagem ganhou também desenho animado, nos anos 70. E no programa Casseta e Planeta, Urgente!, Marcelo Madureira faz o personagem "Coisinha de Jesus".
Coisa também não tem tamanho. Na boca dos exagerados, "coisa nenhuma" vira "coisíssima". Mas a "coisa" tem história na MPB. No II Festival da Música Popular Brasileira, em 1966, estava na letra das duas vencedoras: Disparada, de Geraldo Vandré ("Prepare seu coração / Pras coisas que eu vou contar"), e A Banda, de Chico Buarque ("Pra  ver a banda passar / Cantando coisas de amor"), que acabou de ser relançada num dos CDs triplos do compositor, que a Som Livre remasterizou.         Naquele ano do festival, no entanto, a coisa tava preta (ou melhor, verde-oliva). E a turma da Jovem Guarda não tava nem aí com as coisas: "Coisa linda / Coisa que eu adoro".
Cheio das coisas. As mesmas coisas, Coisa bonita, Coisas do coração, Coisas que não se esquece, Diga-me coisas bonitas, Tem coisas que a gente não tira do coração. Todas essas coisas são títulos de canções interpretadas por Roberto Carlos, o "rei" das coisas. Como ele, uma geração da MPB era preocupada com as coisas.
Para Maria Bethânia, o diminutivo de coisa é uma questão de quantidade (afinal, "são tantas coisinhas miúdas"). Já para Beth Carvalho, é de carinho e intensidade ("ô coisinha tão bonitinha do pai"). Todas as Coisas e Eu é título de CD de Gal. "Esse papo já tá qualquer coisa...Já qualquer  coisa doida dentro mexe." Essa coisa doida é uma citação da música Qualquer Coisa, de Caetano, que canta também:"Alguma coisa está fora da ordem."
Por essas e por outras, é preciso colocar cada coisa no devido lugar. Uma coisa de cada vez, é claro, pois uma coisa é uma coisa; outra coisa é outra coisa. E tal coisa, e coisa e tal. O cheio de coisas é o indivíduo chato, pleno de não-me-toques. O cheio das coisas, por sua vez, é o sujeito estribado. Gente fina é outra coisa. Para o pobre, a coisa está sempre feia: o salário-mínimo não dá pra coisa nenhuma.
A coisa pública não funciona no Brasil. Desde os tempos de Cabral. Político quando está na oposição é uma coisa, mas, quando assume o poder, a coisa muda de figura. Quando se elege, o eleitor pensa: "Agora a coisa vai." Coisa nenhuma! A coisa fica na mesma. Uma coisa é falar; outra é fazer. Coisa feia! O eleitor já está cheio dessas coisas!
Coisa à  toa. Se você aceita qualquer coisa, logo se torna um coisa qualquer, um coisa-à-toa. Numa crítica feroz a esse estado de coisas, no poema Eu, Etiqueta, Drummond radicaliza: "Meu nome novo é coisa. Eu sou a coisa, coisamente." E, no verso do poeta, "coisa" vira "cousa".
Se as pessoas foram feitas para ser amadas e as coisas, para ser usadas, por que então nós amamos tanto as coisas e usamos tanto as pessoas? Bote uma coisa na cabeça: as melhores coisas da vida não são coisas. Há coisas que o dinheiro não compra: paz, saúde, alegria e outras cositas más.
Mas, "deixemos de coisa, cuidemos da vida, senão chega a morte ou coisa parecida", cantarola Fagner em Canteiros, baseado no poema Marcha, de Cecília Meireles, uma coisa linda. Por isso, faça a coisa certa e não esqueça o grande mandamento: "amarás a Deus sobre todas as coisas".

ENTENDEU O ESPÍRITO DA COISA????