Por muitos anos trabalhei em
jornais de São José do Rio Preto. Eram artigos, contos, causos e crônicas.
Crônica, segundo o Aurélio, é “um
texto jornalístico redigido de forma livre e pessoal, e que tem como temas
fatos ou idéias da atualidade, de teor artístico, político, esportivo, etc., ou
simplesmente relativos à vida cotidiana”.
E o que me impressiona na
crônica, sendo um retrato do momento, é ela se tornar perene, pois os problemas
são os mesmos, só aumentando sua gravidade.
Vejam o que escrevi no longínquo
ano de 1979.
Socorro, guardas, socorro!
Estou sendo assaltado no farol
Espero não ter que gritar esta frase no meio da noite, quando as pessoas
de bem, ou que não precisam trabalhar, estão escondidinhas em suas casas,
enfrentando o frio que veio em hora inoportuna. Não estou me referindo às
multas que os guardas estão lascando em cima de descuidados ou não
condicionados motoristas, que não respeitaram os novos sinais, luminosos ou
não. Longe de mim tal aleivosia. Refiro-me a alguns casos que começaram a
ocorrer em nossa antigamente tranquila cidade de São José do Rio Preto.
A avalanche de sinais que inundou a urbe neste últimos meses tinha por
finalidade disciplinar o caótico trânsito e o motorista sabidamente
despreparado que anda pelas artérias primárias e secundárias da cidade. A
ausência de sinais prejudica, supostamente, o fluxo de veículos, provoca
acidentes e traz prejuízos à população e à municipalidade. Os sinais estariam
aí, então, para disciplinar. Entretanto, parece que tal coisa não tem ocorrido.
Primeiro foram
os acidentes e batidas que aconteceram nos cruzamentos com sinais novos.
Ninguém sabia se era para parar ou esperar. Os semáforos novos têm o dom de
fazer o motorista pensar que é Emerson Fitipaldi e vir numa disparada, tentando
aproveitar o amarelo. Outros não respeitam nem o vermelho. Deve ser algum
comunista disfarçado que tem naquela cor o seu ideal de progresso. As pessoas,
porém, foram pouco a pouco se acostumando e, como ocorre com os aumentos de
carne, gasolina, correio, leite e tudo mais, engoliram e transformaram tudo em
sua normalidade de vida. Era como se o sinal estivesse lá há anos. As inversões
de ruas são naturais e até interessantes. As proibições de conversão são
assimiladas e o único senão é que fazem consumir mais gasolina: são cem a
duzentos metros a mais de consumo. Mas para que se preocupar com isto, se temos
petróleo a rodo, segundo diz a Petrobrás.
Se não são as multas dos guardas, o que me faz gritar socorro? É que as
pessoas estão sendo assaltadas, à noite, quando param nos faróis. Sim,
senhores, senhoras, senhoritas e senhoritos. Todo cidadão e cidadã obedientes,
cumpridores e respeitadores das leis de trânsito, quando param nos sinais, são
assaltados. E não é na famosa “calada” da noite, no meio da madrugada, não; e
nem são notívagos contumazes, ou boêmios à caça de aventura amorosa. Nada
disto. São professores e professoras. Mães e pais de família que, tendo que
ganhar o pão dando aulas em distantes colégios, em bairros mal iluminados,
voltam para casa, com o corpo cansado e a mente poluída pela ignorância de alunos,
e outros mais de que têm a desagradável surpresa de se depararem com
assaltantes de arma em punho que tiram seu dinheiro, sua bolsa, seu carro e, às
vezes sua vida.
Um homem foi sequestrado numa madrugada quando parou no farol da Avenida
Philadeplho Gouveia Neto. Era 1 hora. Ás 22 horas, uma professora foi assaltada
na Avenida Bady Bassitt, perto do Pastorinho. Outros tiveram idêntica sina. O
que fazer? Deixar de dar aulas? De trabalhar? De sair? Levar um revólver e dar
um tiro na cara do assaltante? Desrespeitar os sinais e talvez ser multado por
um guarda escondidinho na esquina com o seu fatídico caderninho? E onde estão
os guardas, que, durante o dia, abundavam nos locais mais propícios a uma
multa? O que é destes homens, que têm sua importância e devem ser respeitados,
que não aparecem no silêncio da noite? Ou a eles não competiria a segurança dos
automobilistas? Dever-se-ia apagar todos os sinais luminosos e deixar os
motoristas entregues à própria sorte ou senha assassina?
Os sinais que vieram dar uma tranquilidade à população, motorizada ou
não, transformar-se em terror noturno, em pavor de ser assaltado, de
sobressaltos diante de um vulto. Aumentou ainda mais o nosso já hereditário
medo de ladrões. Metamorfoseou-se em terrível perigo para a própria vida. A
nossa segurança, já ameaçada diante dos assaltantes de residência, trombadinhas
e trombadões, desaparece diante do sinal vermelho do semáforo. O negócio é dar
no pé, ou ficar em casa, ou então ficar gritando e pedindo socorro aos guardas,
pois quando estes vierem, pelo menos que multem os assaltantes que estão
atrapalhando o fluxo normal dos veículos à noite.
Multa neles, seu guarda!
Mário Cléber Silva- 23/09/1979