Fazenda onde nasceu o blogueiro. Foto Luis Fernando Gomes

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sábado, 28 de janeiro de 2012

As Mortes de Comadre Francisca e Compadre José João.

Aqui vai uma crônica, escrita há mais de 30 anos, relembrando vivências de minha infância, em Andrelândia, cidade longe de Carandaí e de Belo Horizonte.

As mortes da
comadre Francisca
e do compadre Zé João

Nenhum dos dois era meu compadre ou comadre. No entanto, todo compadre de alguém em minha terra se tornava automaticamente compadre dos seus filhos. O epíteto (atenção isto não é palavrão) ficava pertencendo ao nome próprio da pessoa. Assim aconteceu com Francisca, a lavadeira lá de casa, e José João, o homem que tivera entre os filhos um padre. “Ah, que graça divina é esta!” Suspiravam outras mães e outros pais que não tiveram tal ventura! “Um filho padre!” – Babavam todos de inveja. E olha que naquela época os padres não apareciam em televisão, cantando e arrastando multidões, verdadeiro caça níqueis, criticavam uns. Por que o Zezinho não vai estudar pra padre? O Carlinhos? O Luizinho? O Clebinho? (Epa! Eu não.) Aliás, a propósito, a mulher do “seo” José João se chama Ana, mas para nós era a Comadreaninha. Isto mesmo, tudo junto, como se fosse um nome só. Antecipando a nova ortografia do português, defendida por um partido político.
Recordo-me bem da comadre Francisca. De cor indizível (seria um problema para o censo do IBGE), já velha, com os dedos todos duros e grossos de tanto esfregar roupas, as mãos com artrites e uma voz enrolada. Toda segunda-feira ela ia lá em casa lavar a roupa. (Na minha terra era comum as lavadeiras irem às casas da burguesia local, onde lavavam toda a roupa, punham-na para quarar, almoçavam, tomavam café e, no final do dia, recebiam o pagamento de seu serviço).  Neste dia, o angu comia solto. Não há alimento mais forte e gostoso para a comadre Francisca do que angu. Acompanhado de carne, é claro, que ninguém é besta. A segunda-feira era um dia particularmente importante para a família.
Era quando se sabia das fofocas e notícias da cidade: “Sabe, dona, o que aconteceu com a filha da Fulana? Nem te conto direito porque fico com vergonha. Mas soube que o rapaz está procurando as calças até hoje. E olha que a Sicrana jurou de pé junto que nunca vira coisa igual. Como , se a Sicrana também fazia isto com o marido? Ah, isto a gente  não pode falar, né ? Mas tenho cá minhas dúvidas. E sabe o que aconteceu com D. Lazinha?  coitada, caiu da banheira e vai ficar entrevada. O médico, Deus me livre (batia na boca com a mão cheia de espuma de sabão), fez uma barbeiragem e não conseguiu dar um jeito na velha. É por isso que eu te digo; Nós velhos, não podemos esperar grandes coisas da vida”. A bem da verdade, deve-se falar que não existia Estatuto do Idoso naquela época, nem passe livre de ônibus para quem tinha mais de 65 anos.
Não sei de que morreu comadre Francisca (só espero que não tenha sido em cima de uma trouxa de roupa) e tampouco o que levou compadre Zé João para o além. Era velho este compadre Zé João. Nas manhãs frias da minha terra eu o via enrolado na varanda, fumando um cigarrinho de palha, ou então andando de um lado para outro, com o seu chapéu marrom enfiado na cabeça. Não era de falar muito; mantinha-se reservado e quieto. Proseava bastante só com o meu pai. Compadre do peito e que era um grande adjutório pro filho se tornar padre. “Ah, o padre Tonico!”- comentava ele; - “Isso que é filho”. Um santo homem. Os filhos do compadre, acredito, dariam um time de futebol: ei-los: Tonico, Zico, Flor, Tereza, Sebastião, Túlio (um amigão), Cecília, Pedro, Paulo, Ana e Chiquinho.
Foi com o Túlio do compadre Zé João que treinei na arte de matar passarinho, de andar pela roça, de ir até a capelinha de Santo Antônio. Nós dois conseguíamos ajudar na missa do Padre Jacó sem brigar um com outro para ver quem transportava o missal da direita para a esquerda, ou quem ia tocar a sineta na hora da consagração ou no início da celebração. E, mais, não brigávamos para ver quem ia beber o resto do vinho que tinha sobrado da missa. E foi junto com Túlio que o seminário me recebeu: um tímido e quieto menino que, apesar do tamanho, tinha dois compadres: a comadre Francisca (que ia lavar minha batina) e o compadre Zé João.
Não sei de que morreram. Mas eu estou sentindo muito.




segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

HAI KAIS

HAI KAI
 Pequeno poema japonês (a grafia seria Haiku, mas como a segunda sílaba indicaria uma parte da anatomia do corpo, vista como feia, virou Hai Kai), composto de 3 versos, sendo o primeiro e terceiro de cinco sílabas e o do meio, de sete. No original, não tinha rima, nas traduções ocidentais essa foi acrescentada. Popularizado no século XVII graças às produções de Matsuo Bashô, tivemos no Brasil um grande incentivador e criador de Kai Kais: Millor Fernandes, usando só os três versos – sem preocupação com as sílabas – e dando o toque de humor.
No meu curso de Literatura o professor nos deu exemplos de Hai Kais e pediu para que fizéssemos os nossos. Tentei seguir Millor Fernandes. Apresento os meus e de outros.
Minhas tentativas:

Há fogo em
Teus olhos azuis
Afogo-me neles.

Vêm com as chuvas
As jabuticabas
E a dor de barriga.

Todos os hai kais
De mãos e pés quebrados
Só provocam ais.

Teus cabelos
Voluptuosos
Amarram-me em ti.

Teus olhos azuis
Ou verdes,  colorem
Meu opaco olhar

Só em teu olhar
Vejo mil mistérios
Para te amar

Coisas de hai kais
Deve ser muito triste
Ser feio demais.


Você leu
Não entendeu
O pau comeu.




De (creio) João Batista Martins:


Ameixas
Ame-as
Ou deixe-as

E lá vai a enxurrada
Nem sabe para onde
Igual gente apressada

Meu bem
Deus só te dá
Se você já tem

Confira
Tudo que respira
Conspira

Que viagem
Ficar aqui
Parada.


Millor:


Não esmaguem a barata
Sua sujeira
É inata

Nada tem nexo
Tudo é apenas
Um reflexo

O veludo
Tem perfume
Mudo.


E eu também, consorte
Não estou condenado
À pena de morte?

Eu vim com pão, azeite e aço
Me deram vinho, apreço, abraço
O sal eu faço.


quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Manual para 2012

Manual para 2012


O ano já começou, mas sempre temos tempo para repensar algumas idéias. Quando estava no Seminário Menor, li um livro que seria um precursor dos livros de auto ajuda: Caminho da Vitória. Havia muito da vitória espiritual no livro, Mas se tivermos uma vitória pessoal – física, psíquica e social -, isto também é muito bom. Vejamos estas frases, reflitamos sobre as mesmas e, se der, pratiquemo-las.

Saúde:
1.  Beba muita água
2.  Coma ao café da manhã como um rei, ao almoço como um príncipe e ao jantar como um pedinte;
3.  Coma o que nasce em árvores e plantas, e menos comida produzida em fábricas;
4.  Viva com os 3 E's: Energia, Entusiasmo e Empatia;
5.  Arranje tempo para orar;
6.  Jogue mais jogos;
7.  Leia mais livros do que leu em 2011;
8.  Sente-se em silêncio pelo menos 10 minutos por dia;
9.  Durma 8 horas por dia;
10. Faça caminhadas de 20-60 minutos por dia, e enquanto caminha sorria.
 
Personalidade:
11.  Não compare a sua vida a dos outros. Ninguém faz idéia de como é a caminhada dos outros;
12.  Não tenha pensamentos negativos ou coisas de que não tenha controle;
13.  Não se exceda. Mantenha-se nos seus limites;
14.  Não se torne demasiadamente sério;
15.  Não desperdice a sua energia preciosa em fofocas;
16.  Sonhe mais;
17.  Inveja é uma perda de tempo. Tem tudo que necessita....
18.  Esqueça questões do passado. Não lembre seu parceiro dos seus erros do passado. Isso destruirá a sua felicidade presente;
19.  A vida é curta demais para odiar alguém. Não odeie.
20.  Faça as pazes com o seu passado para não estragar o seu presente;
21.  Ninguém comanda a sua felicidade a não ser você;
22.  Tenha consciência que a vida é uma escola e que está nela para aprender. Problemas são apenas parte do curriculum, que aparecem e se desvanecem como uma aula de álgebra, mas as lições que aprende, perduram uma vida inteira;
23.  Sorria e gargalhe mais;
24.  Não necessite ganhar todas as discussões. Aceite também a discordância;
 
Sociedade:
25.  Entre mais em contato com sua família;
26.  Dê algo de bom aos outros diariamente;
27.  Perdoe a todos por tudo;
28.  Passe tempo com pessoas acima de 70 anos e abaixo de 6;
29.  Tente fazer sorrir pelo menos três pessoas por dia;
30.  Não te diz respeito o que os outros pensam de ti;
31. O seu trabalho não tomará conta de você quando estiver doente. Os seus amigos o farão. Mantenha contato com eles.
 
A Vida:
32.  Faça o que é correto;
33.  Desfaça-se do que não é útil, bonito ou alegre;
34.  O Tempo cura tudo;
35.  Por muito boa ou má que a situação seja.... Ela mudará...
36.  Não interessa como se sente, levanta, se arruma e aparece;
37.  O melhor ainda está para vir;
38.  Quando acordar vivo de manhã, agradeça ao Universo pela graça.
39.  Mantenha seu coração sempre feliz.


sábado, 14 de janeiro de 2012

Dicas para Lidar com o Dinheiro e Gastos

Li o texto. Gostei. E já que eu as pratico, nada como enviar para meus leitores. Principalmente no incío do ano.

DICAS PARA LIDAR COM O DINHEIRO

Terminar o mês no azul, sem entrar no limite de cheque especial, nem precisar utilizar o rotativo do cartão de crédito. Apesar de parecer simples, esta é uma tarefa complicada para grande parte dos brasileiros.
Para se ter uma ideia, em agosto de 2011, o uso do cheque especial bateu recorde no País: de acordo com dados do Banco Central, a concessão de crédito por meio desta modalidade atingiu R$ 27,319 bilhões. Isso quer dizer que o limite de cheque especial está sendo cada vez mais utilizado para cobrir gastos e fechar as contas no final do mês.
Para você que também enfrenta dificuldades com o orçamento e acaba utilizando crédito caro para pagar seus gastos, o especialista da MoneyFit, André Massaro, listou 5 pontos que podem ajudá-lo a melhorar a sua relação com o dinheiro.
1 - Fale mais sobre dinheiro De acordo com Massaro, é importante falar sobre dinheiro para que as finanças pessoais se tornem mais simples e fáceis de lidar. “Falar sobre dinheiro nos motiva a entendê-lo melhor e a buscar formas melhores e mais inovadoras de nos relacionarmos com ele”, afirma.
Ele aponta que o assunto “dinheiro” é considerado chato pela maioria das pessoas, além de ser um tabu em nossa cultura (especialmente quando falamos o quanto ganhamos). “Para muitas pessoas, falar de dinheiro traz sensações desagradáveis, como a culpa (principalmente para aqueles que têm dificuldade em equilibrar as contas)”, diz.
2 – Invista em educação financeira A educação financeira é a chave para que você consiga lidar bem com seu dinheiro. “A maioria das pessoas não tem ideia do quanto um pouco de senso crítico e alguns conhecimentos rudimentares de finanças podem operar verdadeiros milagres nas vidas delas”, afirma Massaro.
Ele lembra que é possível se educar financeiramente de diversas maneiras. “Através de livros, cursos, seminários ou vídeos. Podemos até mesmo escolher se queremos pagar por esta educação ou não, uma vez que praticamente tudo que qualquer pessoa precisa saber pode ser encontrado gratuitamente na internet”, diz. “O investimento em educação financeira não necessariamente exige dinheiro, mas exige tempo e disposição”, completa.
O especialista afirma ainda que o objetivo não é se tornar um “mestre das finanças”, mas, sim, ter o mínimo de base teórica para conseguir identificar as melhores opções e evitar problemas financeiros.
3 – Adote a “Lei de Responsabilidade Fiscal” em sua vida Para que você tenha sucesso com as finanças, Massaro cita uma regra básica. “Se você ganha 'X' por mês, seu gasto mensal deve ser inferior a 'X', simples assim”, diz.
Para ele, se você está insatisfeito com seu padrão de vida e quer elevá-lo, deve pensar antes em como vai elevar sua renda para fazer frente ao custo do padrão de vida que você aspira a ter.
“Viver dentro de suas possibilidades é uma enorme demonstração de respeito ao dinheiro”, diz.
4 – Pense em ganhar mais O especialista lembra que existem várias opções para aumentar a própria renda.  
"Não existe fórmula mágica para ganhar dinheiro, mas existem inúmeros caminhos”, diz. “É possível ganhar muito dinheiro tendo um negócio, tendo um emprego (pergunte para algum executivo graduado de uma grande empresa), investindo no mercado financeiro, sendo um profissional liberal”, diz Massaro. 
Ele lembra que, em qualquer profissão, existem pessoas que ganham pouco e pessoas que são ricas. “O que você poderia fazer para estar no segundo grupo?”, questiona.
5 – Seja um consumidor defensivo Para conseguir andar em dia com as finanças, Massaro ressalta que é importante comprar com moderação e evitar gastos desnecessários.
“Grandes empresas (e as pequenas também) gastam anualmente uma quantia de dinheiro além da imaginação de qualquer mortal com um único objetivo: fazer você gastar seu dinheiro - muitas vezes em coisas de que você não precisa”, diz o especialista.
Você não vai resistir a isto?


terça-feira, 10 de janeiro de 2012

É essencial fazer curso superior?

O texto a seguir é polêmico. Concordo quase que ipsis literis. Pais andam investindo a preço muito alto na educação dos filhos – ou desnecessariamente, pelo negócio da família; ou infrutiferamente, visto não terem retorno do aplicado ou demorar demais para retomar o que foi gasto. Conheço dois exemplos: filho na melhor Faculdade de Administração do País e vai tomar conta das fazendas do pai no interior, filha, que nem dinheiro tinha para o lanche, faz faculdade de psicologia e depois vai trabalhar no comércio. Bem, todos têm seus exemplos.  Universidades viraram negócios e a aspiração desmesurada a um curso superior vira uma obsessão.
Mas leiam o artigo.

Empreendedores não precisam das escolas de primeira linha

Luke Johnson é colunista do "Financial Times".

Pessoas que venceram por seu próprio esforço muitas vezes dão mostras de encarar de forma incoerente o ensino superior. Embora tenham obtido sucesso sem ele, querem que seus filhos usufruam de toda a aprendizagem formal disponível. Mas será que um diploma é um ativo real para um aspirante a empreendedor?

Peter Thiel, o bilionário cofundador da PayPal, está convencido de que existe uma bolha na educação universitária americana. Ele considera que a crença, predominante na "intelligentsia", na vantagem financeira oferecida por qualificações como um MSc (mestrado em ciências exatas), um PhD (doutorado) ou MBA (mestrado em administração de empresas) é irracional. O custo de uma formação acadêmica já vem disparando há anos, mas até a recessão, poucos duvidavam de que o enorme investimento era uma idéia sensata.

Os pais quase se matam para pagar mensalidades de escolas particulares e o custo de faculdades de renome. Certificar-se de que os filhos tirem as melhores notas e ingressem nos cursos mais conceituados se tornou quase um artigo de fé religiosa entre os profissionais liberais. Nos Estados Unidos, as universidades de primeira linha, coletivamente conhecidas com Ivy League., como as de Harvard e Princeton, entre outras, cobram US$ 50 mil anuais. E devido à obstinação de dezenas de milhões de asiáticos, mais vagas nas cobiçadas universidades ocidentais estão sendo abocanhadas por estudantes chineses e indianos.

Minha atitude perante a educação formal é analogamente equivocada. Embora eu tenha recebido um grau de mestre de uma boa universidade, quase não o usei no meu trabalho. Talvez ele tenha me dado confiança e contatos - embora eu tenha certeza de que esses elementos poderiam ter sido adquiridos de outras formas. Foi certamente um período agradável - mas não as aulas expositivas, pois eu nunca as frequentei, nem as aulas práticas - eu as matei também.

A melhor experiência de meus três anos de Oxford foi inaugurar uma empresa, coisa que nada tinha a ver com meu diploma em fisiologia. Desconfio que muitos estudantes passam a maior parte do tempo bebendo, fazendo amor, dormindo até mais tarde, participando de protestos e assim por diante. Será que isso vale todo o tempo e o dinheiro investidos? A pergunta cabe principalmente agora, quando os alunos se formam endividadsos até o pescoço, ao mesmo tempo em que se defrontam com um número menor de empregos.

Fiz palestras em doze universidades no Reino Unido nos últimos meses, e em todas os bachalerandos estudam a possibilidade de formar empresas como alternativa às carreiras clássicas em direito, consultoria empresarial e mercado financeiro. Esse espírito empreendedor é uma notícia maravilhosa, mas duvido que as aulas ajudem em seus empreendimentos. Por que passar anos esperando? O melhor treinamento é simplesmente sair e pôr a mão na massa.

A academia precisa de reformas. As universidades deveriam oferecer cursos mais práticos. As férias são longas e o contrato permanente de trabalho para os professores é um sistema tenebroso. Elas deveriam se desacostumar dos subsídios governamentais e se comprometer mais com o capitalismo. Os contribuintes deveriam receber um melhor retorno da pesquisa que financiam. A ampla criação de riqueza de instituições como Stanford e MIT mostra o caminho. Por outro lado, me preocupa o fato de que a tomada de decisões dentro de nossas torres de marfim evolua a passos de tartaruga.

Mesmo assim, muitos de nós continuam escravos dos status que as instituições de ensino são capazes de conferir. Recentemente me tornei professor - visitante de empreendedorismo numa universidade de Londres - aceitei o honroso cargo em parte por vaidade. Da mesma forma, estive no programa "University Challenge" na BBC2, desesperadamente sem conseguir responder a maior parte das perguntas. Em última instância, sei que as universidades e a formação acadêmica têm importância vital, tanto econômica quanto culturalmente - e que a maioria dos professores faz um bom trabalho. Mas desconfio que a iminente depuração, por seleção natural, da educação superior pode ser um bem para todos.



sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Onde foi que deixei meus óculos?

ONDE DEIXEI MEUS ÓCULOS.
Subtítulo: Tudo o que você gostaria de saber sobre a perda da memória e como minimizar esse problema e viver bem com ele.

Este é o título curioso do livro de Martha Weinman Lear, uma jornalista estadunidense que resolveu pesquisar sobre a memória. Além do estilo leve, e às vezes brincalhão, a autora apresenta as mais recentes pesquisas sobre o nosso cérebro. E revela boas e más notícias. Más notícias: todos nós começamos a perder a memória a partir dos 20 anos (boa notícia: perder memória não é coisa de velho – só que quando jovens estamos vivendo com tanta intensidade e tantas coisas novas que aparecem que NÃO DAMOS IMPORTÂNCIA às falhas da memória; má noticia: quando jovem, a capacidade cognitiva era maior do que a média; com o tempo você se aproximou da média).
Mais má notícia: nosso cérebro começa a encolher a parir dos 30 anos. E aos 45 anos, aumentam as perdas das células do hipocampo – responsável pela nossa memória.
O processo da memória é um drama em três atos:
Aquisição – armazenamento e recuperação. Se algo não foi bem apreendido (adquirido), acontecerá o mau armazenamento e evidentemente a recuperação será falha. Mas a memória é que leva a culpa.
A “atenção” é primordial para o bom funcionamento da memória “em qualquer idade”.
A jornalista apresenta um quarteto santíssimo para não termos problemas com a memória:
a)      Alimentação saudável (pessoas comem mal e reclamam da “memória”: injusto)
b)      Evitar o estresse (“hahahahahaha” – risadas da autora. Eu também estou gargalhando)
c)       Dormir muito. (Idosos dormem mal, consequentemente ...)
d)      Praticar exercícios regularmente (físicos e mentais).
Quanto a estes últimos duas palavrinhas: aeróbica e levantamento de pesos: excelente dupla para a memória. Não adianta fazer palavras cruzadas. Você só vai ficar bom em palavras cruzadas, mas “quanto maior a reserva cognitiva melhor será a maneira de enfrentar as possíveis lesões do cérebro”. E, lembrete: mais velhos, seremos mais aquilo que fomos quando jovens.
Esquecer a dor e o prazer é ótimo. As mulheres não lembram QUANTO foi a dor do parto. E esquecemos o máximo do prazer sexual, senão não faríamos mais e mais vezes, pois corríamos o risco de só ficar pensando naquele que foi o máximo.
Não há diferenças entre os sexos quanto à perda de memória pelo envelhecimento, entretanto, o Alzheimer parece se relacionar com a idade, sexo (mais o feminino) e escolaridade (menos de 8 anos de escolaridade, duas vezes mais chance).
Esta é para pensar: Todos lembramos diferentemente daquilo que queremos esquecer.
O Alzheimer tornou-se a doença do século. E brincamos com ela: “estou fugindo do alemão”; “nossa, esqueci seu nome, será que estou com Alzheimer?”, etc. De uma vez por todas: se o nosso esquecimento não interfere em nossas atividades do dia a dia, ESQUEÇA-O: você está normal. As pessoas aceitam – em termos – a perda da visão, da audição, a lentidão dos movimentos, mas se estamos mais lentos para lembrar, é um deus nos acuda: estou com Alzheimer. Parece que o cérebro não pode falhar. Cobramos muito do coitado do cérebro.
Outra estultice é querer comparar cérebro com computador. Uma bobagem que vem de velhos tempos quando comparava-se o corpo humano à máquina.
Algo bom: nossa capacidade de criar imagens e fantasias não diminui com a idade. E um conceito diferente: memória vívida: lembrança de onde estávamos ou fazíamos quando aconteceu um evento extraordinário. Aí lembramos perfeitamente. Ou pensamos que sim.
Se você esqueceu onde colocou os óculos, ou deixou a chave do carro, pense: você está armazenando coisas demais (exemplo: no passado, tínhamos uns 10 ministros, hoje, eles chegam a 40), ou precisa fazer relações entre as coisas para não esquecer (exemplo a respeito dos ministros: pense em Ali Babá e... bingo...Aposto que você já lembrou o número de ministros).
Martha Lear apresenta um quadro esclarecedor entre perdas de memória normais e possivelmente preocupante, e o primeiro ponto é especialíssimo:
Provavelmente normal: você frequentemente coloca as coisas em lugar errado.
Possivelmente preocupante: Você constantemente coloca as coisas no lugar errado E PÕE A CULPA  nos outros.
Aí danou-se.
Para ficarmos tranqüilos: esqueci o que tomei no café da manhã. Meu deus, quantos cafés da manhã você tomou na vida e quer se lembrar de um que não teve nenhum significado importante? Mas aposto que se lembra do café da manhã que tomou com aquela moça (ou aquele rapaz) naquele hotel maravilhoso...
Ela também apresenta os vários tipos de memória em um dos capítulos.  Eis três delas: de procedimentos (a que fazemos no piloto automático: dirigir por uma rodovia conhecida); semântica (a que abrange fatos) e a episódica (que abrange a experiência pessoal). Algumas são mais facilmente esquecidas.
Umas 10 páginas do livro são dedicadas à explicação evolucionista do porque esquecemos. A natureza às vezes é má, quando não precisa mais da gente.
Então faça isto: vá comprar o livro e leia (ou até a biblioteca. Conhece alguma biblioteca em Belo Horizonte, se ela não foi inundada pelas chuvas de dezembro? . Vai gostar. E não se esqueça que você leu esta matéria... onde , onde? Em seu blog preferido, claro.
Ah, estava me esquecendo: colesterol alto e estar acima do peso prejudicam a memória.




quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Conto: Noite de Luz e Treva.

Em 2010, fiz uma viagem ao Leste Europeu e tive uma agradável surpresa de encontrar um escritor - juiz aposentado - entre os brasileiros. Viajando com a esposa, filho e nora, era uma família bem agradável e simpática. Conversamos muito e trocamos idéias sobre o gosto  da leitura e da escrita. Nós fomos os únicos a visitar a casa e o museu de Kafka, onde acabei vendo uma jovem loura, bonita, de mini saia, que se transformou em personagem de uma história minha. Bem, este escritor, Luiz, me enviou um conto recente dele e lhe pedi para publicá-lo em meu blog. Com a permissão, passo a meus leitores este texto. O autor, com vocabulário castiço, esgrima bem as palavras.

Noite de luz e treva

                            Morava debaixo do viaduto.

                            Durante o dia mendigava junto aos semáforos. Usava as moedas arrecadadas para comprar drogas baratas ou embriagar-se. Não gastava com pão; algum motorista, abrindo parcialmente a janela do carro, dava-lhe pacotes de bolacha.

                            As drogas serviam para imunizá-lo contra os males da realidade, as cruezas do dia. À noite, as bebidas lhe proporcionavam que dormisse pesadamente, como um animal, sem sonhos ou pesadelos.

                            Porém, nas últimas noites a cidade havia sido assaltada por milhares de lâmpadas multicoloridas. Andava em meio a janelas e árvores cintilantes, das quais pendiam luminárias imitando estrelas. As luzes doíam-lhe nos olhos. Das lojas emanavam canções tocadas obsessivamente até a exaustão.

                            Não conseguia se lembrar do significado de tantas luzes, de tantas canções. Examinava tudo com perplexidade; só tinha pensamentos enevoados, insuficientes para dar algum nexo a tamanhas efusões de cores e luminosidades.

                            Na última dessas noites, uma insônia atroz o perseguiu madrugada a dentro, mesmo durante o sono a profusão de luzes o ofuscava, sonegando-lhe o sono pesado de outras noites.

                            De repente, despertou, procurando em vão erguer-se. Lembrara-se. Uma imagem lhe viera à mente, envolta em penumbra, mas suficiente para que vislumbrasse as figuras do pai e da mãe, inclinados sobre o berço de um recém-nascido. Neste recém-nascido ele se reconheceu.

                            Em seguida, abateu-se sobre ele a escuridão, uma treva espessa, inteiriça e benfazeja, não conturbada por sonhos ou pesadelos, por nenhuma luz.

                                                                  Luiz Carlos R. Borges / 2011

domingo, 1 de janeiro de 2012

No Cinema.

Já pensou se acontece algo com você parecido com esta crônica, escrita há mais de 30 anos?


No cinema

-Com licença (nenhuma resposta). Não ouviu o que eu falei?
-Claro que ouvi. Não sou surdo.
-Então por que não me dá licença?
-Mas já dei. Não tá vendo?
-Como é que vou ver se tá escuro? É preciso responder.
-Passa logo então, que quero ver o filme.
-Já tá passando o filme?
-Claro.
-“Claro” só pra você, que já acostumou com a escuridão. Eu cheguei agora e não estou enxergando nada. Já faz tempo que começou o filme?
-Mais ou menos.
-Como “mais ou menos”? É necessário ser mais preciso nas respostas.
-Uns quinze minutos.
-Como é que você sabe? Olhou no relógio?
-Estou calculando.
-Teve jornal?
-Que mané jornal? Você é velho? Jornal passava há 40 anos.
-Velho, não. Idoso. Olha o jeito que fala comigo. Não gosta de perder o jornal. É bom para lembrar os fatos que aconteceram no ano passado. Teve futebol?
-Isto aqui é cinema, não campo de futebol.
- E trailer de filme?
- Claro
-Você anotou algum nome e data que vão passar?
-Lógico que não .
-Mas você é incompetente mesmo hein !
-Como assim ? Insultando ?
-Desculpe-me. É que não gosto de perder os trailers. Gosto de comentar com os amigos como novidade. O filme é policial?



-Sei lá. Começou agora.
-Como não sabe? Vai no cinema e não sabe que filme está passando? Quanta ignorância!
-Está me chamando de burro?
-Mais ou menos.
-O filme é policial.
Já descobriu quem é o criminoso?
-Não.
-Puxa vida! Já faz quinze minutos que está vendo o filme e não sabe quem matou a moça.
-Como é que vou saber se nem a polícia sabe?
-Não desconfia de ninguém? Não tem mordomo neste filme?
-Não.
-Então não é inglês e nem brasileiro. De que nacionalidade é a película?
-Ela ainda não disse uma palavra.
-Quem?
-A película. A moça que foi assassinada.
-Ela estava com roupa ou pelada?
-Pelada.
-Estava tomando banho?
-Não. A água ainda não estava quente.
-Só o criminoso a viu tirando a roupa?
-Eu também vi.
-Então o senhor viu o criminoso?
-Vi.
-Quem é ele?
-Não sei. Não fomos apresentados.
-Aposto que o criminoso é você.
-Se eu sou o criminoso, você é a moça. Deixa eu fazer igual no filme?
-Socorro! Estão querendo me matar. Acendam a luz. Tem um louco aqui. Por favor, acudam-me antes que seja tarde.